I - O Primeiro Encontro

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Madrugada, um vento forte soprava à janela do quarto daquele garoto, e os assovios do vento pareciam gritos que ecoavam na escuridão gelada. Estava acordado olhando para o teto que se escondia atrás do breu da noite; seu sono não era um dos melhores que havia tido. Tinha sede, e a lembrança de que havia uma jarra de suco na geladeira, o encorajou a sair da cama.

Olhou a escuridão do quarto, quebrada ao meio por um raio de luar que entrava manso e tênue pelos vidros na janela; sentou na cama, procurou com os pés o par de chinelos, calçou-os e saiu arrastando os pés até a porta. Tateou o interruptor que ficava ao lado da porta, ligou, e a luz ofuscou seus olhos; piscou um pouco para que se acostumassem com a luminosidade, abriu a porta e saiu tentando fazer o mínimo de barulho, os pés pesados pareciam não desgrudarem do chão. A escuridão não era problema; começou a se arrastar em linha reta e tinha certeza de que assim, não bateria em nada, naquela parte da casa, próximo aos quartos, não havia muitos obstáculos, e nem mesmo aquele sonolento na escuridão teria que se preocupar. Passou pela porta do quarto dos pais, parecia estar entreaberta, pois ouviu alguns roncos que ele identificou logo como sendo do seu pai. Passou pela sala onde um sofá lhe dava as costas pra ele e uma televisão; as cortinas daquele cômodo o deixavam mais sombrios que os outros, pois impediam qualquer luminosidade de entrar pela janela; apenas o televisor podia ser distinguido por ter um reflexo tímido em sua tela da luz amarelada dos postes na rua que adentrava a casa pelos dois vidros na bandeira da porta a frente, . Continuou sua caminhada apenas passando a mão pelas costas do sofá pra ter certeza que caminhava ainda em linha reta na sala. E dali continuaria a tatear outros vários móveis, cuidando para fazer o mínimo de barulho e assim ninguém acordar por sua culpa.

Chegou até a cozinha e ainda apalpando tudo, conseguiu um copo que estava em cima da mesa, abriu a geladeira, e ela com sua luz, deixou quase toda a cozinha na penumbra, e lá estava o suco de goiaba que sua mãe tinha preparado para o jantar. Pegou a jarra sentindo o ar frio tocar seu corpo ainda quente, e despejou o suco no copo. Sua garganta estava seca e o barulho do suco trocando de recipiente o fez salivar. Preparou-se, e então começou a beber. Parecia mais delicioso que o normal... porém, quando terminara o primeiro gole, um barulho estranho o fez tirar o copo da boca. Seus olhos se arregalaram, seu coração começou a bater acelerado... O som veio do quintal, e não havia cessado, era um zumbido, mas, um zumbido estranho que ele nunca ouvira antes. Fechou a porta da geladeira, e tudo voltou ao negrume... Ele andou lentamente em direção à porta dos fundos, que ficava na cozinha, com a orelha direita virada para frente, tentando ouvir melhor, como se quisesse agarrá-lo com os ouvidos e não o perder; chegou à porta dos fundos, tateando-a achou o ferrolho, então, abriu-a lentamente, e teve uma surpresa...

Ao abrir a porta, uma luz muito forte vinda do quintal parou em sua frente, como um raio que congelara no ar, reluzia de tal maneira que o fez levar a mão rapidamente à frente dos olhos já acostumados com a escuridão novamente. Lentamente foi abaixando a mão, curioso, amedrontado e confuso...

Quando conseguiu ver de onde vinha tal luz, ele ficou maravilhado... Eram inúmeros pontos luminosos que flutuavam e faziam um barulho que parecia o de abelhas; mas, era um zumbido tão singular, tão bonito; soava lento e profundo como uma canção de ninar. Os pontinhos luminosos descreviam uma faixa no ar que começava atrás de uma mangueira no fundo do quintal, contornava o lado esquerdo da árvore, e terminava em frente à porta dos fundos da sua casa, lugar onde até agora o menino olhava bestificado aquilo. Levado pela maravilhosa visão, ele começou a andar por dentro da trilha luminosa. Estava sendo levado mais pela curiosidade que pelos próprios pontos que o tinham cercado e pareciam empurrá-lo na direção da mangueira, a caminho do ponto onde vertiam aquelas pequenas luzes.

O menino se sentia agora confortavelmente feliz, um sentimento de curiosidade e descoberta o tomava ao ver aqueles "vaga-lumes sem corpo"; era simplesmente inacreditável, era mágico, "meus amigos não vão acreditar!...", pensou ele euforicamente; sua boca não fazia nenhum som, por mais que estivesse aberta o tempo todo, nem uma exclamação... Apenas observava e sentia o que aquelas coisinhas pareciam estar lhe proporcionando: era uma paz que ele nunca experimentara na sua longa vida de 13 anos, e tinha certeza que atrás da mangueira ele acharia algo importantíssimo, e bem mais prazeroso, pois com certeza acharia ali a fonte daquilo tudo.

ATIAÎA  Sangue do Passado (DEGUSTAÇÃO).Onde histórias criam vida. Descubra agora