PARA NOS FAZER SORRIR

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Naquele tempo, para que um cidadão fosse considerado respeitável ele precisaria atender a alguns requisitos.

Se tivesse muito dinheiro, seria bem tratado de frente, mas invejado pelas costas.

Era necessário ter boa aparência, o que é diferente de ser belo. Pessoas muito belas viravam motivo de inveja e intrigas entre os menos formosos.

Ser educado e gentil com os vizinhos era primordial. Os calados e reclusos eram considerados esquisitos e sempre seriam preteridos pela coletividade.

Cuidar da aparência de sua casa era imperativo, pois como alguém viveria em um lugar caindo aos pedaços? O menor sinal de desvalorização de uma das casas no bairro era um problema coletivo.

Ainda na sua casa, o jardim merecia atenção especial, exigindo um cuidado a mais. Sempre com o gramado impecável. A vaidade de morar num bairro com belos jardins deveria ser compartilhada por todos.

E, por fim, era sempre garantia de elogios ter um bom automóvel em sua garagem, se possível do ano. Demonstração de sua competência pessoal, completando a imagem de prosperidade em seu lar.

As coisas tinham que ser assim! Quem gostaria de ter um vizinho que não fosse respeitável?

Um certo representante comercial conseguiu alcançar esse status de cidadão admirável. Não seria exagero dizer que ele era o morador mais ilustre do bairro. E essa aferição ia além de sua casa, jardim ou mesmo dos carros na garagem.

Quando passava pelas ruas do bairro, sorrisos e braços acenando para ele surgiam por todos os lados. Este homem era Astolfo.

O respeito que todos tinham por ele era algo invejável, mas não era ali onde sua paixão estava. A única coisa com a qual Astolfo se importava era Mara, sua esposa.

Mara era muito habilidosa no trato com o jardim de sua casa. Plantas que não eram comuns na vizinhança ornavam sua faixada. Todas vistosas e bem podadas, as maiores e mais belas flores, dispostas no gramado mais verde e bem aparado já visto em todo aquele bairro.

Os vizinhos, interessados em ter essa beleza em seus próprios jardins, não podiam simplesmente aparecer e tocar a campainha para uma visita com intenção de descobrir os segredos de Mara. Em vez disso, caminhavam em frente à sua casa esperando encontrar Mara cuidando do jardim, assim poderiam fazer uma pergunta informal e desinteressada sobre aquela joia aos cuidados de Mara.

Muitos dias se passaram com a busca, infrutífera, pelo segredo do jardim de Mara. Enquanto o tempo passava e as buscas continuavam o jardim tinha a grama cada vez mais verde, flores mais belas e perfume mais agradável. A curiosidade de cada um crescia com a dificuldade em se conseguir a resposta.

Num determinado fim de tarde, Mara estava jardinando. Preferia ficar dentro de casa, longe da onda de curiosos, mantendo as coisas como estavam. Isso era tentador, mas ela precisava se livrar da legião de desocupados passando o dia todo na sua calçada. Em alguns minutos uma pequena procissão se formou na sua calçada. A oportunidade surgiu e todos se esqueceram da discrição.

Não importava quem fizesse a pergunta, ou como ela fosse feita, a resposta seria sempre a mesma:

- Só adubo, podo e molho todos os dias.

Uma das vizinhas mais matreiras tentou uma abordagem diferente para conseguir algo além de sua resposta padronizada. Perguntou qual era o tipo de adubo que ela usava para ter plantas tão belas.

Foi a única pergunta para a qual Mara teve prazer em responder. Levantou o rosto para olhar a vizinha bem nos olhos e falou de maneira suave e delicada, escondendo toda sua malícia:

Ecos 10Onde histórias criam vida. Descubra agora