UTÓPICA

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QUARTA-FEIRA

Eu não consegui dormir essa noite. Acordei com olheiras enormes e escuras, cabelos desgrenhados, corpo amuado e mãos trêmulas. Hoje completei 18 anos, e serão feitas minhas decisões principais.

Estamos em 2051, as coisas mudaram muito da época de meus pais, infelizmente não posso ter a opção de escolha como eles. Eu clico na tela branca e pequena ao lado de minha cama, nela seleciono a roupa que vou usar, sempre de cores neutras e modelos um pouco sem graça.

Seleciono uma calça branca reta com pregas no cós, e uma blusa simples bege e um tênis branco. A roupa sai passada e dobrada do pequeno compartimento debaixo da tela.

Me visto com rapidez, sento e calço o tênis, o próprio calçado amarra o laço sozinho, preciso nem ter o esforço de fazer toda a parafernália de o "coelho entra e sai da toca"; meu pai me ensinou quando eu era criança, mas desde meus dez anos os sapatos fazem por si só.

Vou ao banheiro, abro a boca e encaixo a pequena maquininha para limpar meus dentes. Fecho novamente os lábios e ele começa a escovar. Enquanto isso eu lavo meu rosto, ao lado um vaporizador seca minha face e lábios, retiro a pequena maquininha da boca, que já está completamente seca e limpa. Desço para tomar meu comprimido da manhã.

Meu pai faleceu faz dois anos, moramos eu e minha mãe desde então. Escolho a quantidade de nutrientes e calorias para ingerir. Estou de dieta e pego apenas o comprimido de 300 kcal.

Coloco na língua e engulo, não sei se o gosto é bom ou ruim, pois não sinto mais sabor há uns quatro anos, desde quando foram criados os comprimidos alimentícios:

-Bom dia - Diz minha mãe, indo em minha direção num abraço. - Feliz aniversário!

-Obrigada, mãe. Mas não acho que seja algo realmente bom... Não dormi nada.

-Eu sei, é o dia das decisões principais... Vai dar tudo certo!

-Duvido muito.

-Não fique assim, vamos... Deixa eu comprar um bolo hoje, largue um pouco essas pastilhas ridículas.

-Não são pastilhas ridículas, são vitaminas que já me fornecem toda a proteína que preciso e como não tem excesso, eu não engordo.

-Não conseguiria ficar sem sentir o sabor da comida… Se bem que ultimamente a comida está cada vez mais sem sabor. - Falou entristecida.

-Não quero perder tempo com comidas…

-Filha! Um bolo, só hoje?

Ela me olhava esperançosa, eu não estava animada naquele momento, não entendia a alegria dela:

-Tudo bem, mãe – Falei sorrindo – Mas faço isso por você.

-Obrigada, obrigada! - Disse animada. - Irei na melhor confeitaria de cidade.

-Ainda existem confeitarias nesse lugar?

-É raro, mas ainda tem! Darei um jeito, não importa. O importante é ver você feliz ao saborear um bolo.

-Eles nos dão tanta alegria assim?

-Em certos momentos de nossa vida sim, filha.

Ela pegou um pacote de torradas e manteiga. Ela odiava os comprimidos, tomou uma vez e detestou.

-Vou pedir o "MOVVE" – Sussurrei desanimada.

-Já vai? Não prefere ir mais tarde?

-Daqui a pouco a organização "VIVA" liga, prefiro ir e evitar uma conversa por vídeo, falada ou mentalmente.

Ecos 10Onde histórias criam vida. Descubra agora