Capitulo 2 - Sarah, você está bem?

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Eu chego finalmente ao prédio da secretaria, mas depois de 15 minutos rodando, fica claro - eu não tenho a menor ideia de onde esteja. - Estou perdida, novamente. para onde quer que eu ande, há pelo menos uma duzia de portas iguais. Todos os corredores parecem os mesmos para mim e eu sempre tenho a vaga ideia de que estou andando em círculos. – Para onde eu devo ir?
– Uma ajuda divina agora seria muito bem-vinda. – Falo para ninguém em particular. De repente ouço o som de botas no piso, atrás de mim.
– Falando sozinha? - Uma voz melodiosa vem de encontro a mim. Olho para trás e encontro um par de olhos castanho claro - quase mel - me fitando com curiosidade. A dona da voz e dos passos está parada a um metro de distância de mim.
– Não deve ser um bom sinal.

Ela é impressionante, o tipo de garota que parece não ter problema com garotos – não como eu, pelo menos. Ela se aproxima lentamente com graça felina. Seu cabelo curto preso de um jeito quase desleixado em tranças do tipo maria-chiquinha terminam em um visual facilmente confundido com infantil, mas essa é a última palavra que me vem à mente para descrevê-la. Garotas infantis não usam roupas minúsculas. Olho surpresa para o pouco tecido claro que cobre o seu colo e acaba pouco acima do umbigo. Ela aperta os olhos para mim e enfia o dedo no cós do short quase inexistente. – não me entendam mal, não é que eu nunca tenha visto alguém vestida assim. Minha prima Deb, não por escolha – Deus sabe disso – vivia exibindo pelo menos 80% da sua pele por toda a cidade. Não, não era isso. O que de fato me chocou, foi que ela conseguiu combina-los em um visual despojado, de um jeito que Deb nunca conseguiu. Olho envergonhada para o meu jeans skinny e camiseta. Essa não é a única diferença entre nós duas. Ao contrário de mim ela parece saber exatamente onde está, então não pode ser outra caloura.  E fando nisso, onde estão os outros calouros? - que estranho.
Talvez ela possa me ajudar. A garota ainda está me olhando e eu percebo que talvez ela esteja esperando uma resposta minha.

– Ah... Eu não estava falando sozinha, bem.... Talvez. Na verdade, eu estava pensando alto. – Eu estava divagando, sabia disso, mas a garota não pareceu se importar, e riu.
– Tudo bem... acontece, só não espere ajuda divina por aqui. – Eu sorrio envergonhada, ela se aproxima.
– Meu nome é Sarah. – Sarah me estende sua mão e eu a aperto, seus dedos são longos e firmes, tem um aperto forte pouco comum em meninas. – Você está aqui para fazer a matricula?

– Sim... como sabe?
– É a única razão possível para alguém estar aqui antes do início das aulas.
– Estou procurando pela secretaria, mas não consigo encontrar o caminho.
– Você é nova aqui. – Não é uma pergunta, mas mesmo assim eu aquiesço.
– É assim tão obvio?
– Bom... digamos que eu moro aqui desde.... de sempre e eu nunca te vi por aqui. Então não foi tão difícil de adivinhar.
– Isso explica como você parece estar bem à vontade. – Sarah sorri diante do meu comentário e engancha seu braço no meu. me sinto desconfortável, mas não o puxo de volta.
– Não se preocupe, eu te mostro o caminho. Também preciso passar lá, por outro motivo, é claro. - ela completa. – No final, irei unir o útil ao agradável. Bem... vamos...
– Alisha.
– Certo, Alisha. O caminho é por aqui.

Sarah me leva até secretaria, e uma vez que estamos à frente da porta, eu tiro os meus documentos da bolsa e ela os puxa da minha mão sem me dar chance de reação.
– Ei! Vá em frente, sinta-se em casa. – Sarah cora envergonhada e hesita com os papeis na mão, mas eu empurro-os novamente para ela.
– Me desculpe, eu só queria dar uma olhada no curso que você escolheu. – Eu a observo, até que me assusto com um grito animado que sai dela. Olho para Sarah com olhos arregalados, ela parece iluminada. Essa garota é no mínimo muito... intensa.
– Você se matriculou no curso de Mitos e Lendas! Eu também! Eu sabia que tinha um motivo para eu te encontrar, é o destino.
– Que legal! – Ou eu espero que seja. Sarah é um misto de emoções que me confunde um pouco - meu oposto fiel. Uma junção que pode ser letal, caso não seja manejada corretamente. Mas eu espero realmente não ter nenhum problema no percurso, até por que ela é a primeira pessoa que eu conheço na cidade – ou a primeira agradável. E parece que nosso encontro pode frutificar em uma bela amizade.

***

Uma vez concluídos os tramites acadêmicos, e toda essa parte chata – Blech! - Sarah me leva para a saída mais próxima. Eu tenho dificuldade para acompanha-la. Troto cambaleante atrás dela, meus pés vez ou outra esbarram um no outro e o seu quimono se enrola na minha perna.
– Ei.... Espera ai, mais devagar! – Ela me ignora e em menos de um minuto nós estamos fora do prédio. Sarah continua a me puxar. Ela nos leva até a grama verde do pátio e eu caio ao lado do seu corpo. Respiro com dificuldade. Ela se inclina para trás e apoia os cotovelos no chão. O sol da manhã ilumina sua pele dourada.
– Eu tenho a impressão que este ano será emocionante. – Eu fico quieta, no fundo, eu também espero que este ano me reserve grandes emoções – boas, mas para mim tudo ainda é novidade, não posso me deixar criar grandes expectativas, preciso me ambientar para depois conseguir ficar entusiasmada.
– Você parece um pouco aflita...
Sarah me lê como um livro aberto. Ás vezes tenho a impressão de que ela tem poderes telepáticos e isso me assusta.
– As coisas não são tão simples assim quando você é nova em uma cidade e não conhece ninguém.
– Ainda bem que esse não é o seu caso... afinal, você me conhece agora e eu te digo que não é pouca coisa. – A última parte é sussurrada e eu sorrio. O entusiasmo dela é contagiante.
– É verdade. E você? Disse que morava aqui desde muito tempo né?
– Desde sempre. Eu conheço Mystery Spell como a palma da minha mão. – De repente ela se vira empolgada na minha direção. – Eu poderia te mostrar a cidade. Gostaria de fazer um tour? – Hesito.
– Talvez em outro momento, eu já tenho compromisso essa noite...
– Compromisso? Mal chegou e já tem planos? Você não perde mesmo tempo.
– Eu me comprometi antes mesmo de vir, mas quando cheguei ontem de noite eu estava tão cansada, que entrei no primeiro hotel que encontrei. – Argh.
– Pela sua cara o lugar não é lá essas coisas.
– Não, não mesmo. Pior que isso. O lugar é completamente sórdido, eu mal posso esperar para sair de lá. – Sarah ri e coloca a mão em cima da minha, eu estranho o gesto íntimo, mas não me afasto. É só o jeito intenso Sarah de ser. É só que eu nunca tive uma amiga mulher antes, quase não tinha amigo nenhum, dois, se levar em conta o meu cachorro. – Que deprimente.
– Se é tão ruim assim, você pode ficar lá em casa, ao menos até achar outro lugar. – Eu me comovo com a sua oferta, mas não posso aceitar.
– É muito gentil da sua parte, Sarah, mas não precisa se preocupar. Eu encontrei uma família local que acolhe alunos em intercâmbio. – Vou cuidar da filha deles, em troca de moradia, alimentação e um pagamento que vai me ajudar com a mensalidade da faculdade.
– Nossa! Que legal. É tipo um Au pair. Que sorte a sua.
Eu não sabia se ela estava falando sério, mas resolvi desligar essa parte questionadora do meu cérebro.
– Eu também acho!
– Você sabe qual a distância que fica do Campus?
– Não faço a mínima ideia, mas irei descobrir esta noite.
– Quem são? Talvez eu os conheça... – Eu hesito em conta-la, não é que eu não confie nela, mas eu mal a conheço, mesmo que ela esteja agindo como se fossemos amigas a anos. E por que de repente está tão interessada? No entanto, que mal faz em contar-lhe, afinal de contas não é um segredo de estado e quanto mais informações eu tiver da família melhor para minha segurança.
– É uma antiga família, nascida e criada aqui, pelo que eu entendi. Seu nome é... é... Bartholy, isso mesmo, Bartholy, é que é difícil de lembrar. – Logo que o nome sai de minha boca, o semblante de Sarah se altera, a garota que conheci a pouco se transforma diante dos meus olhos. Ela parece ter visto um fantasma, eu coloco uma mão em seu ombro.
– Está tudo bem? – Sarah não me deixa terminar de falar, se levanta em um pulo e rapidamente se afasta de mim.
– Não, não.... é nada, eu acabei de me lembrar que também tenho um compromisso, desses bem urgentes que não podem esperar.
– Você tem compromisso? – Aquilo era muito estranho, levando em conta que a menos de minutos ela me convidara para um tour pela cidade, bom talvez ela tivesse esquecido, essas coisas tendem a acontecer com mais frequência do que nós gostaríamos, Deus sabe bem disso. Só que não era isso que estava me perturbando, Sarah ficou realmente estranha de repente, bem.... Mais esquisita que o habitual.
– É, que estupidez a minha, as vezes eu planejo mais compromissos do que eu sou capaz de lidar, e bem... dá nisso. – E antes que eu possa responde-la, vejo Sarah correndo para longe e já está distante quando finalmente se vira para dar tchau, eu levanto a mão sem vontade, surpresa demais para expressar emoções que demandam muita energia. Eu estava confusa, esse tipo de atitude não era condizente com a extrovertida e simpática Sarah que eu acabara de conhecer. Mas talvez a minha avó tenha razão, e no final quem vê cara, de fato, não vê coração.

– Tudo bem, como você preferir.

Serie Irmãos Bartholy - DrogoOnde histórias criam vida. Descubra agora