Capítulo 6 - O que será o jantar?

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– Então.... A vaga ainda está disponível? – Meu coração dá um salto de esperança. Nicolae parece surpreso com a minha pergunta.

– Mas é claro que sim. Por que seria diferente?!
Dou de ombros. Respiro aliviada, depois de tudo que passei, a resposta dele é com água após de dias no deserto. Tenho vontade de abraça-lo, mas não acredito que ele aprovara meu comportamento, ou muito pior, levando em consideração minha coordenação motora, eu posso facilmente sair algemada da casa por assassinato. Mal esse pensamento passa por mim e eu tenho um calafrio.
– Você parece aliviada.
– É, eu estou. Eu realmente preciso desse emprego. – Mesmo com todos os contras, mas isso é questão de adaptação, em poucos dias eu irei olhar para trás e ri de tudo, tenho certeza.
– Eu deveria me encontrar com o Sr. Bartholy para discutir minhas atribuições...
– Entendo, infelizmente meu pai não está. – Não é possível, que tipo de pessoa marca com alguém e sai antes de encontrá-la? Não é muito educado.
– Como assim ele não está? Eu deveria discutir tudo com ele. – Eu não consigo esconder minha irritação. Primeiro o filho e agora o pai! É demais para minha cabeça.
– Não se preocupe, eu sei perfeitamente bem o que você terá que fazer. Será um prazer tirar qualquer dúvida que você possa ter. – Quero refutar, mas não vejo como isso pode me ajudar. E Nicolae está sendo mais que gentil comigo.
– Então, Lorie é a sua irmã mais nova?
– Sim, isso mesmo.
– E você também tem um irmão...
– Na verdade eu tenho dois. Drogo, que você já conheceu e o Peter. – Peter, eu sempre esquecia do quarto filho.
Sem esperar minha reação ele acena para segui-lo.
– Venha, eu vou lhe mostrar seu quarto.
Eu começo a puxar a bagagem pela escada, mas a roda emperra no primeiro degrau, Nicolae corre em meu auxilio e antes que eu tome consciência, ele tira a mala da minha mão. – Até que enfim um pouco de cortesia. – Eu agradeço a ajuda e reprimo, novamente, o desejo repentino de abraça-lo, como gostaria de fazer.
– Deixa que eu levo para você. ­– Ele levanta a minha bagagem sem nenhuma dificuldade aparente, na verdade, parece ter muita facilidade. Mais uma prova de que os músculos do seu corpo não são só de enfeite. Subimos a longa escada.
Uma vez no topo, eu olho por cima do ombro, o hall é ainda mais impressionante daqui de cima. Nicolae coloca a mala aos meus pés, eu observo o local onde estou. O corredor longo com várias portas, de paredes lisas pintadas de branco gelo que refletem o amarelo das lâmpadas.
– Alisha, é por aqui. – Ele aponta o segundo quarto do corredor. Eu o sigo novamente. A medida que nos aproximamos, eu ouço uma melodia de notas suaves tocando através de uma das portas mais afastada. Uma música que me remete a épocas não muito felizes da minha vida e eu tenho a estranha vontade de chorar.
– De onde vem essa música? É tão... linda, mas um tanto quanto triste.
– Ah, é o Peter. Ele é fascinado por esta sonata.
– Ele quem está tocando?
Nicolae continua andando até o fim do corredor em silencio, o que eu tomo como fim da nossa conversa. Decididamente esse não é um assunto a se discutir. Tão misterioso.... Eu acho que terei que me acostumar com isso.
Eu corro para acompanha-lo, não tenho a intenção de me perder novamente. Considerando o tamanho da mansão e meu talento, isso pode acontecer fácil, fácil.
Finalmente ele para e abre uma das portas.
– Aqui estamos. Bem-vinda ao seu novo lar! – Nicolae abre caminho para que eu possa passar. Entro no espaço escuro e aperto o interruptor. A primeira coisa que eu noto é o tamanho do quarto. É enorme. As paredes são revestidas com papel de parede champanhe e uma cama com dossel maior do que eu esperava. Do lado direito da cama, há uma penteadeira rosé com padrão de flores delicadas. Caminho para o seu interior e percebo que o quarto em si não é tão grande quanto eu imaginava, mas há espelhos em lugares estratégicos que fazem com que o ambiente pareça maior. A decoração é um pouco antiga, mas não é necessariamente descuidada, muito pelo contrário. Para um quarto desocupado, ele é bastante arrumado e aconchegante, mesmo que pouco iluminado. Ando até as enormes janelas com vista para o jardim. Daqui de cima a vasta mata parece muito mais aterrorizante. Olho novamente para Nicolae e reparo que o resto da minha bagagem está empilhada no canto do quarto, ele se apressa a colocar a mala que trouxe comigo, junto das outras.
– O resto das suas coisas chegaram ontem, como esperado... Eu vou deixá-la se acomodar, enquanto eu vejo o que podemos te oferecer para jantar. – Vejo ele sumir no corredor, e estou prestes a me virar para janela novamente, quando noto ele voltando rapidamente para o meu quarto.
– Aliás... Eu vou te apresentar para a Lorie amanhã de manhã. Ela já está dormindo, e eu não quero acorda-la. Espero que você entenda. – Eu fico estranhamente comovida com o zelo que parece ter com sua irmã mais nova. Não tenho irmãos, mas se tivesse, gostaria que fossem como ele.
Eu assinto. Ele passa a mão no cabelo em um gesto nervoso.
– Claro. Deixe-a dormir. Eu não me incomodo em conhece-la depois. – Ele sorri para mim e uma covinha aparece no lado direito de sua face, eu suspiro.
– Muito bem... bem vinda ao nosso lar. – E antes que eu possa agradecer, ele some. – tuuuudo bem. É um verdadeiro dom, como eles vem e vão sem que eu perceba.
Começo a desfazer minha mala como Nicolae me aconselhou.. Eu abro a primeira e começo a retirar meus pertences. Enquanto guardo as roupas no armário eu penso nos dois irmãos que acabei de conhecer. Nicolae sem dúvida é mais encantador que Drogo. Sempre me deixando a vontade e tão prestativo. Seu modo cavalheiresco é surpreendente, sobre tudo nos tempos de hoje. Nem parecem ser filhos das mesmas pessoas. Eu não sei qual o problema do Drogo, e sinceramente prefiro não saber. Quanto mais distante eu puder ficar dele, eu ficarei. Só espero não ser uma daquelas tarefas impossíveis de se realizar. Drogo quer dizer problema e dos grandes. Se eu me meter em uma briga com ele, é demissão na certa. E da forma como ele me tratou, esse deve ser exatamente o seu desejo. Tenho que manter um olho aberto sobre ele.
Abrindo a segunda mala, eu paro por uns segundos e tiro meu bem mais precioso: Um cartão postal. Eu viro para ler as palavras na parte de trás do papel. Meu peito se aperta e eu tremo segurando em minhas mãos a última notícia que tive do meu pai, antes dele sumir. Foi o pior dia da minha vida. Sua viagem para Londres não deveria ter durado mais que 2 semanas. Ele nos ligava todos os dias, a cada hora que podia. Estava apresentando seu projeto - um protótipo secreto, a um grupo de possíveis investidores quando sumiu. Suas ligações tinham diminuído consideravelmente até sessarem de vez. Minha mãe entrou em desespero, tentou contato com diversos outros investidores, mas ninguém sabia nada sobre ele, até o dia do meu aniversário. Ela recebeu uma ligação, já tinham se passado 7 meses do seu sumiço e todos já tinham perdido as esperanças de encontra-lo, nós não tínhamos dinheiro o suficiente para ir até a Londres, então apelamos para a sorte. Lembro da minha mãe segurando o telefone com força, os nós dos dedos brancos.
Ela tinha uma aparência melancólica desde a partida do meu pai, mas naquele momento perdeu o pouco de brilho que ainda tinha. Depois daquela chamada, nunca mais foi a mesma. Acho que nunca vou conseguir apagar a imagem dos seus ombros tensos e das lagrimas rolando livres por sua face. Eu não entendia o que estava acontecendo naquela época, mas pressentia ser algo ruim e quando finalmente ela parou de chorar, eu tive a certeza. Nós ainda não tínhamos dinheiro o suficiente para buscar o corpo, então ele foi velado em terras estrangeiras, na companhia dos rostos estranhos de pessoas que não sabiam o homem que ele era e nem se importavam. Nunca soubemos o que realmente tinha acontecido, isso ainda era um mistério. Ele tinha sido um pai maravilhoso e um marido ainda melhor, explicação do por que minha mãe nunca mais encontrou alguém. Ela ficou arrasada e eu fiquei do seu lado o tempo que pude até sua morte a dois meses atrás, de um maldito infarto.
Já se passaram 7 anos desde a morte do meu pai, mas a sua presença ainda é palpável. Olhar para esse cartão pode ser doloroso, mas vale a pena cada lembrança que eu tenho deles. São essas coisas que ainda permeiam meu vínculo com a minha família. Além das minhas memorias.
Coloco o cartão junto ao colar que minha mãe me dera quando completei 15 anos. Tinha sido um presente que o meu pai lhe dera ao se conhecerem.

Use isso, e seu pai sempre te encontrará, onde quer que esteja.

E ele cumpriu, sempre está do meu lado. Abro o fecho da corrente e penduro no meu pescoço. O material do pingente é frio de encontro a pele, uma pedra azul pequena que muda de cor a partir do clima. Instantaneamente me lembro do por que tinha parado de usar. Sempre me causa dor.
– Preciso parar de pensar nessas coisas.
Eu me volto para minha mala, ainda tem muita coisa a ser guardada. Tiro livros e CDs, coloco-os cuidadosamente nas prateleiras de madeira polida. Pego os pertences de banho e os levo até a suíte – paro um pouco sem folego. Tem a mesma decoração do quarto, mas logo que entro vejo uma banheira de mármore branco com torneiras douradas e um espelho do tamanho de toda a parede, logo atrás. Me espanto um pouco com o luxo do espaço. – Se esse é o banheiro da baba, mal posso imaginar os outros. Olho ao meu redor e me assusto de repente com o meu reflexo.
Meus olhos castanhos estão maiores e carregam machas escurecidas fruto de noites mal dormidas. O meu cabelo, geralmente escorrido, parece ter sido visitado por passarinhos. – Completamente arrepiado. Preciso achar um shampoo ante-frizz e rápido. – Coloco os itens na farmácia, já abastecida com creme dental e loções para banho, – quem precisa de tanta loção assim?
Depois de terminar com o banheiro eu volto para o quarto e analiso a minha organização superficial. – Com mais algum esforço, eu acho que consigo deixar este lugar a minha cara. Só falta uma coisa.... Coloco o porta-retratos com a foto dos meus pais na penteadeira ao lado da cama. – Agora sim. – Me sento no colchão, completamente satisfeita com o meu trabalho e desmorono na cama para recuperar minhas energias. Meus olhos se fixam em uma mancha escura no teto, como um respingo. E eu escuto novamente um uivo ao longe. – Nota metal: perguntar ao Nicolae se tem lobos por essa região. Um som oco me tira dos devaneios. Eu me ajeito e levanto os olhos procurando o dono do barulho. Então eu ouço um rangido de madeira que aguça ainda mais a sensação de estar na presença de alguém. Sinto meu sangue gelar. Drogo está encostado na parede mais distante de mim, ele me observa em silêncio. Apesar do brilho cintilante dos seus olhos eu o encaro. O que esse olhar significa? – Há quanto tempo ele está ali?
Drogo caminha na minha direção e antes que eu possa piscar ele já está ao meu lado parecendo ameaçador. Ele se inclina em minha direção e está tão próximo que eu consigo ver a cor de sua íris mudar. O nariz reto, a curva do seu pescoço e os lábios entreabertos.... Eu nem sequer tinha o ouvido se aproximar - como ele pode se movimentar sem emitir nenhum som? É como se deslizasse sob o chão. Ninguém pode se mover assim. Tento desviar meus olhos dos seus, mas não consigo ou não quero, é como se uma força invisível tomasse conta de mim. O ar está elétrico e isso enrijece o meu corpo. – Será que é um sonho? Mas é tudo tão real... minha mente está anuviada e eu não tenho mais controle dos meus atos. Drogo está tão perto.... Sua pele é tão pálida que quase posso ver o sangue em suas veias.
– Drogo, eu... – É a primeira vez que eu chamo pelo nome, percebo. Sua pupila dilata e sua íris se torna vermelha? – Deve ser um jogo de luz confundindo a minha retina. Por um segundo é como se o tempo estivesse parado. As palavras saem incoerentes e eu me sinto mais fraca a cada minuto. – será Drogo o responsável por isso? – Logo que penso na possibilidade, eu a descarto de imediato, ninguém pode fazer algo assim, é impossível! Sinto uma atração além de mim.... O ar fica carregado, existe claramente uma tensão entre nós. Ele sorri, eu consigo ver um brilho estranho em cada lado dos seus lábios.
– Então Coitadinha, não vai dizer nada agora? – Sussurra em meu ouvido. Eu fico sem fôlego e meu batimento descompassa. Em silencio e com uma coragem surpreendente eu lhe dou um sorriso atrevido de volta. – Afinal, qual a razão de evita-lo, o que eu tenho a perder?
– Quem é Coitadinha? – Drogo sorri e eu sinto o tremor do seu corpo sobre o meu.
– De onde vem essa coragem?
– Me diga você, afinal é quem está me controlando ao que me parece.
– Ora.... Estou? – Ele está? Eu não sei de mais nada, minha cabeça está tão confusa. Um barulho vindo do corredor o surpreende. Ele vira sua cabeça por um momento em direção a porta e passa uma das mãos no cabelo loiro platinado – o mesmo gesto do irmão. – Nicolae.... Aos poucos vou tomando consciência da realidade, eu pisco várias vezes, saindo do meu torpor. Meus sentidos voltam ao normal. Sinto o corpo enrijecer, e tenho plena consciência do seu peso em cima de mim. Seus dedos se fecham apertados ao redor do meu pulso. Tenho impulso de gritar, mas ele põe a mão em minha boca. E eu percebo a realidade da situação. – Drogo me tem totalmente a sua mercê e isso me assusta, muito.
– Tire as mãos de mim.
Antes que eu perceba o que está acontecendo, vejo Drogo pulando para o lado. E o barulho do impacto finalmente quebra o feitiço. Ele se joga no chão ao lado da cama, e esfrega a cabeça gemendo. Eu me endireito rapidamente e salto para o outro lado da cama.
– O que você fez comigo?

*** POV Drogo ***

Serie Irmãos Bartholy - DrogoOnde histórias criam vida. Descubra agora