04 | ELE ERA FEITO DE AZUL

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04 | ELE ERA FEITO DE AZUL

June.

Lakeside,

29 de junho de 1996.

Passei um bom tempo sem vê-lo, sem ir até a igreja, ao orfanato e até sem prestar favores a paróquia e ao pároco Don, que eu só o fazia por toda a ajuda que ele sempre deu a minha mãe e a Colin, meu irmão mais novo. Comecei a evitar Blue quando notei que estava propícia a me apaixonar por ele, e ele também parecia mais ocupado que o normal com seu trabalho no cinema. Mas a maior questão era: eu não me apaixonava. Nunca. Isso não podia acontecer. Eu apenas gostava de ter alguém com um tempo disponível para mim, assim como fora com Timothee: apenas gastava meu tempo, não precisava sentir. Eu gostava que as coisas fossem assim, mas com Blue elas estavam indo para um patamar ao qual eu não queria elevar e não deveria, porque eu sabia quem ele era, e como ele era.

Minha mãe também havia se afastado de todas as atividades que envolviam a igreja, pessoas e coisas que não tinham Louis. Eu odiava que Louis estivesse tomando minha mãe só para si, eu odiava que fosse Louis ali. Eu odiava o fato de meu pai não estar mais vivo para tomar o lugar que era dele de fato.

Pelo fim da tarde, eu estava sentada na cadeira de minha escrivaninha de frente para a janela encarando a rua. Com os cabelos bagunçados e abraçando meu próprio corpo, digna de pena. Colin, meu irmão mais novo as vezes subia as escadas correndo, abria a porta do meu quarto, que eu deixava propositalmente aberta, porque sabia que ele sempre corria para mim quando isso acontecia, e então me abraçava chorando, enquanto dizia:

"Ele vai matar a mamãe, June. Louis vai matar a mamãe!"

Então nós dois nos trancamos dentro do quarto e eu cantava para ele, a fim de abafar os gritos de minha mãe lá em baixo até Colin dormir e acordar no outro dia com a visão de mamãe com um olho roxo, e eu parei de interferir nas brigas entre mamãe e Louis quando Louis passou a me machucar também. Eu estava saturada. Minha mãe perguntou se eu queria meu café da manhã, caso contrário Louis esperava deitado como um rei na cama de casal que ele levava as vadias dele para se deitarem quando minha mãe não estava em casa.

Eu ignorei o que minha mãe dizia, gritei dizendo que ela poderia dar tudo a aquele idiota. Subi para meu quarto, pensei em ficar lá por algum tempo, novamente, mas todo aquele ambiente estava me sufocando. Então pulei a janela e saí correndo para o fim da rua.

Bati freneticamente na casa de Elisabeth. Eu sabia que os pais dela haviam saído para trabalhar, eu não queria estar ali, mas era o único lugar que eu tinha para ir, mas Beth não abriu a porta. Então saí andando sem rumo, chutando uma latinha que se encontrava na calçada. Passei pela nossa escola, provavelmente Elisabeth estava lá. Assistindo aula, cumprindo os horários, como deveria ser feito.

Uma pedrinha bateu em meu sapato, me fazendo distrair de meus pensamentos vazios sobre a escola e me voltando para a presença sentada na beira da calçada. Com uma garrafa verde de vidro na mão. Os cabelos escuros e desordenados com toda certeza, estavam bem mais assanhados do que os meus, e Blue sorria de modo inteligente, apertando ainda mais os olhos pequenos e inchados, provavelmente por uma noite mal dormida. Só podia ser uma piada, eu havia o evitado por tanto tempo, e ali estava ele: a única pessoa disponível para mim.

"Quanto tempo." Blue disse erguendo a garrafa.

"Hã... Oi." Respondi meio sem jeito por ter sido pega de surpresa.

"Oi."

Eu fiquei ali de pé, o encarando enquanto ele permaneceu imóvel sentado analisando cada parte de mim como se aquilo não me incomodasse.

Querido BlueOnde histórias criam vida. Descubra agora