02 | PORQUE ELE ESTÁ EM TODA PARTE

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02 | PORQUE ELE ESTÁ EM TODA PARTE

JUNE

Lakeside, 2001.

Cinco anos após Ele.

O velho letreiro do Ould Paul'S não acendia mais as luzes, apenas lembranças dolorosas no meu peito.

Mike me conduziu até a entrada do bar, mesmo que alguns minutos antes eu houvesse insistido assiduamente que deveríamos ir a outro lugar. Qualquer lugar, menos aquele. Qualquer lugar onde Blue não sorrisse para mim em minhas lembranças me fazendo cair novamente, me dizendo que eu ainda o amava, que eu ainda o queria, me dizendo que nós não existimos mais. Gostaria de estar em um lugar, onde as lembranças do que vivemos juntos não fosse uma lembrança constante de que havíamos chegado ao final.

Mike puxou a cadeira para mim, enquanto meu coração parecia querer rasgar minha pele em desespero. Eu respirei fundo enquanto ele disse que iria buscar as bebidas. Fiquei esperando impaciente, contando todos os segundos, mal havíamos chegado e eu já queria ir embora. Olhei em volta, era o mesmo lugar, mas parecia vazio, embora estivesse lotado de pessoas, faltava algo.

A verdade é que eu sabia o que faltava. O letreiro rosa não acendia mais, não como antes, haviam algumas luzes queimadas, mas o calendário velho pendurado perto do balcão ainda era o mesmo, marcando o mesmo mês:

Era fevereiro de 1996, fazia frio. Naquele dia Blue disse que bebia para aquecer o corpo. Enquanto um casal de jovens pouco mais velhos que nós dois, atiravam felizes os dardos no canto do bar, como numa cena de filme, onde eu e Blue éramos os figurantes. Era mais uma das poucas vezes que nós dois nos víamos, e tudo ainda parecia uma loucura. Eu e o garoto do Cinema Hook sentado à minha frente, um completo estranho que me fazia completamente confortável, mesmo que na maioria das vezes nós ficássemos apenas em silêncio.

Ele era bom de mira, e eu não estou falando dos dardos. Blue me inspecionava de cima abaixo, sabendo exatamente onde mirar para me deixar sem graça, ele me encarava nos olhos, não havia mais nenhum receio em olhar para mim, ele olhava sempre que podia, que queria, procurando qualquer resquício do que as pessoas sentiam quando estavam com ele. Como se gostasse do que via, como se quisesse me ver por muito tempo. Eu nunca aguentei encará-lo por muito tempo, pelo menos não no começo de tudo. Era uma guerra perdida, sempre. Os olhos dele eram um tipo de jogo que você começa a jogar mesmo sabendo que vai perder.

Naquele dia o letreiro "Old Paul'S" ainda acendia em rosa neon, piscando, quase querendo falhar, atrás do barman que manuseava a bebida com a mesma facilidade que eu levava o cigarro até a boca. O cigarro que consegui com Blue, um cigarro que ele disse ter tirado de uma caixa especial, mesmo vindo de uma marca barata. O conceito de especial era algo novo vindo dele.

"Acho..." Ele começou a falar direcionando o olhar para o casal. Seu olhar era uma mistura de súplica silenciosa, com admiração, desejo de ter algo como aquilo e melancolia profunda. "Eles se gostam mesmo..."

"Espero que sim."

Blue apenas assentiu. Ele havia se tornado minha companhia, basicamente duas semanas de encontros causados por pedidos de favores do pároco, — e de Beth e sua família tentando me levar novamente para a igreja — indicações de filmes, músicas, e no final nós estávamos em bares e praças, nos dando, um ao outro a companhia silenciosa, ou de poucas palavras. Estávamos sempre solitários, Beth estava ocupada com os estudos, ou com Taehyung, já que os dois tinham gostos parecidos, e eu... Bom, eu nunca gostei muito de sobrar. Embora Beth não estivesse exatamente me deixando de lado, era mais uma questão de começar a passar o tempo com quem eu achava que me compreendia, e passar o tempo com Blue era fácil: gostávamos das mesmas músicas, assistíamos os mesmos filmes, ele me recomendava livros os quais eu nunca havia lido e eu podia fazer o mesmo por ele, no final debatemos sobre aquilo e quase sempre tínhamos a mesma opinião. Ele nunca pedia explicações se eu não quisesse dar, ele não cobrava nada, apenas ficava ao meu lado, e isso fazia com que eu me sentisse compreendida e a vontade. Éramos apenas nós dois, sozinhos entre uma bebida e a carteira de cigarros favorita dele.

Querido BlueOnde histórias criam vida. Descubra agora