Capítulo 3

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* Anaelle Esme

- Me tira daqui! - gritei socando a porta, os nódulos dos meus dedos estavam vermelhos de tanto que eu batia naquela porta enorme. - Onde eu estou?

Olhei as paredes consistentes ao redor, o quarto era sem janelas, as paredes altas e muito frio. Tinha uma cama com um colchão sem lençol, um baú com um casaco grosso de lã e um travesseiro de plumas.

Meu carcereiro não falava nenhuma palavra, apenas deslizava um prato com comida, pela pequena abertura em baixo da porta. Era um mingual insosso, mas não importava. Eu precisava sair desse lugar.

A última coisa que lembrava era de estar com Neville no jardim da casa do Visconde, então tudo desapareceu e eu vim parar dentro de uma carruagem com um homem encapuzado ao meu lado. Ele amarrou meus braços e me arrastou até o quarto mais alto de uma mansão escondida no meio de uma floresta.

Eu não sabia onde eu estava, não sabia quem era meu sequestrador e nem sabia se pretendiam me matar.

- Droga! - reclamei sentando encolhida no colchão. - Calma Anaelle, seu pai se mete em muitos assuntos políticos, isso só foi uma consequência. Se você for inteligente eles não irão lhe machucar.

Vesti o casaco grosso de lã e me encolhi no colchão.

Acabei adormecendo, acordei com a porta se abrindo e uma figura alta e forte apareceu no quarto, a porta se fechou e ficamos à sós.

Neville usava uma camisa branca de tecido grosso, uma calça preta e justa, botas de cano longo, cachecol branco envolta do pescoço e um casaco preto comprido. As bordas de sua camisa e do seu cachecol eram prateadas.

- Você me encontrou. - corri até ele e me joguei em seus braços, sentindo uma felicidade genuína em vê-lo. Quando me afastei para encará-lo percebi que ele não retribuiu o abraço, estava com uma expressão neutra, não esboçava sentimento algum. Senti aquele mesmo arrepio fantasmagórico que tinha sentido, na primeira vez que tinha falado com ele, percorrer meu corpo.

Me afastei ouvindo meu coração martelar contra meu peito.

- Senhorita Edmond, sabe quanto tempo está aqui? - perguntou passando a mão nos seus cabelos escuros.

- Mais de um dia? - respondi meio insegura.

Eu tinha que ficar calma se quisesse sair viva dessa história toda. Eu não tinha tempo para ficar amuada com Armand, ele tinha me enganado e traído minha confiança, mas mesmo assim, era ele quem decidiria o que aconteceria comigo.

- Dois dias inteiros. - respondeu Armand radiante. - Sabe por que está aqui?

- Não. - respondi serenamente, sem raiva ou nervosismo, eu estava com os nervos controlados.

- Seu pai foi quem matou minha esposa, ele não aceitou que o Rei Luís tivesse beneficiado apenas a mim, com as propriedades de terras, então ele arquitetou a morte da minha esposa. - Armand me encarou colocando as mãos atrás das costas.

- Como pode ter certeza que foi meu pai? - perguntei cruzando os braços e sustentando seu olhar.

- Eu vi ele fugindo pela parte de trás da minha casa e quando eu entrei, Clara estava morta no sofá, ela foi envenenada. - respondeu tentando demonstrar tranquilidade, mas sua voz vacilou quando ele disse o nome da esposa.

- Se o senhor tivesse provas mandaria o meu pai para a cadeia, mas seus argumentos não são o suficiente. - disse devagar, fazendo Armand compreender o que eu queria dizer. - Talvez o senhor pensou ter visto meu pai, talvez sua esposa tenha morrido por causas naturais mesmo. A mente humana pode pregar peç...

- Cala a boca! - esbravejou Neville fazendo sua voz ecoar pelo quarto, sentei no colchão e fitei o chão. - Você acha que eu enlouqueci? Eu sei o que eu vi! Seu pai é um assassino, ele roubou de mim aquilo que eu mais amava. Agora eu vou retribuír na mesma moeda. - cerrou os dentes e os punhos.

Ele sorriu, suavisando as linhas de expressões do seu rosto.
- Senhorita Edmond, sabe o que eu vou fazer com você?

Todo meu corpo ficou tenso, meus cabelos estavam bagunçados e meu coração acelerou mais. Eu sabia sim. Ele iria me matar.

Eu precisava fazer ele mudar de ideia, pelo menos temporariamente.

- Não é justo você me castigar por um crime que eu não cometi. - ergui o queixo e pus as mãos na cintura.

- Eu vou matá-la. - disse Neville rispidamente. - Nada vai me impedir.

Eu vi a raiva emanando de seus olhos, uma raiva que ele lutava para esconder da sociedade, mas eu sempre soube que tinha algo de errado com ele. Mesmo assim eu quase me apaixonei por um monstro. Onde eu estava com a cabeça?

- Então vá em frente, se isso irá saciar sua vingança, me mate. Como planeja fazer? Asfixia? Estrangulamento? Esfaqueamento? Sua espada enfiada no meu estômago? Envenenamento? São várias opções de assassinato. Como meu pai matou sua esposa mesmo, seria gratificante fazer do mesmo jeito, não acha? - fiquei em pé na sua frente e percebi sua hesitação.

Virei de costas com ódio e comecei a tirar o casaco, os sapatos, joguei tudo em cima do colchão. Desfiz a trança dos meus cabelos com raiva, tirei o vestido cor de rosa, estava usando espartilho e uma camisola por baixo, rasguei os laços do espartilho e o joguei no chão.

- O que está fazendo? - Armand perguntou franzindo a testa tão irritado quanto eu.

- Facilitando seu trabalho, sem as roupas não tem provas contra você.

Peguei o candelabro que estava aceso ao lado do baú, coloquei minhas roupas no canto, tirei a camisola ficando sem nada. Joguei o candelabro aceso em cima das roupas e queimei tudo, até o casaco de lã.

Armand estava boquiaberto, eu iria morrer mesmo, nem estava com vergonha.

Quando a roupa ficou irreconhecível, por causa do fogo, coloquei o que restou dela dentro de um pote de vidro que estava dentro do baú, e pronto. Não tinha mais nada que pudesse ser meu.

Meus sapatos viraram dois pedaços de carvão.

Suspirei me virando para Armand.

- Onde serei morta? Decidi logo, antes que escureça. - disse lutando contra o impulso de abraçar meu próprio corpo.

- Você é louca. - resmungou Neville desviando seu olhar do meu corpo para o colchão.

- Eu só quero acabar com essa palhaçada toda, de maneira eficiente. - ironizei jogando meus cabelos para cobrir meus seios.

- Eu não vou matar você hoje. - bradou abrindo a porta, mas eu consegui alcançar seu braço antes que ele saísse.

- Por que não? Quer me torturar antes? - encarei seus olhos e esperei um segundo antes de dizer. - Essa é uma vingança contra mim ou contra meu pai?

Ele ficou alguns segundos em silêncio, então disse com a voz metálica e ríspida.
- Você não tem poder de escolha, é minha prisioneira e eu irei matá-la quando achar que é a hora.

Contemplei seu olhar de superioridade. - Espero que saiba o que está fazendo, é uma péssima escolha adiar o inevitável.

- Não se preocupe. - ele cruzou os braços e me encarou com ar desdenhoso. - Sua morte será rápida, para lhe mostrar que não é nada pessoal.

Então saiu do quarto.

Eu queria voltar a socar a porta, queria quebrar alguma coisa, descontar toda a raiva que eu sentia daquele imbecil. Ao mesmo tempo eu precisava manter a calma, isto é, se eu quisesse ficar viva.

O frio penetrava minha pele desnudada, não sei se aguentaria por muito tempo. Ele disse que minha morte seria rápida, mesmo que a palavra dele não valesse muito, era minha única esperança.

Claro que eu não queria que ele me matasse, queria fazê-lo refletir sobre o que ele faria, a seriedade daquilo. Esperava que ele mudasse de ideia, funcionou temporariamente, mas eu precisava ser inteligente se quisesse sobreviver.

Meus sentimentos por Armand Neville nesse momento se resumiam em; raiva, medo e pena.

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