Em uma noite de primavera, a Duquesa teve o sono interrompido por um estranho pesadelo a qual esqueceu assim que abriu os olhos. Ao se sentar na cama, percebeu a ausência de Louise e seu semblante se entristeceu. Mais uma vez a dama tinha saído na noite, deixando-a sozinha. Sabia que a moça não mais se relacionava com outros desde que se tocaram intimamente pela primeira vez, mas não deixava de se sentir mal quando ela saía.
Aborrecida, Harriet saiu da cama e, mesmo usando suas roupas de dormir, deixou o aposento levando consigo um pequeno castiçal de bronze com apenas uma vela acesa. Andou a passos suaves para não despertar a ninguém enquanto caminhava rumo à cozinha, onde pegaria algo para comer ou beber e assim, quem sabe, recuperar o sono.
Porém ainda no corredor ela ouviu um murmurinho entre duas pessoas. Diminuiu o passo e quando reconheceu uma das vozes, parou e pôs a mão na frente chama da vela, para que a luz não fosse notada. Sorrateiramente ela inclinou a cabeça até conseguir enxergar de relance as pessoas que sussurravam e confirmou, era Louise uma das pessoas e a outra uma mulher. A duquesa chegou em tempo de ver sua dama entregar um pequeno frasco de vidro para a mulher com o rosto parcialmente coberto por um capuz, porém dava para ver seus longos cachos dourados caírem por seu colo.
— Ponha todo o conteúdo na bebida dele. No vinho, de preferência, e garanta que ele beba todo o conteúdo. Se faltar uma só gota o efeito pode não ser fatal e os doutores poderão salva-lo.
— E tu tendes certeza de que funcionará? Eu juro por Deus que não posso viver mais um só dia com aquele homem, estou prestes a enlouquecer!
— Estou nisso há mais de dois anos, senhora. Tenho plena certeza de que funcionará se administrado do jeito certo. Em três dias seu marido estará morto.
A Duquesa não podia acreditar no que tinha visto e ouvido. Dividia o aposento e a cama com a verdadeira causadora da morte de tantos homens ao longo daqueles anos. Era Louise o tempo todo e ela nem desconfiou. Seu choque era tamanho que quando deu por si, fora surpreendida pela dama que também se assustou ao encontra-la quando esta fechou a porta da cozinha e se voltou para o corredor.
— Como pode fazer isso, Louise? Mataste todos aqueles homens e conseguiste pôr a cabeça no travesseiro e dormir em paz! Que tipo de monstro tu és? — ela perguntou horrorizada e com lágrimas nos olhos, quando já estavam a portas fechadas no quarto.
— E o que dizer do que fizeram aqueles homens a suas esposas? Ou a senhora de fato acredita que foi sem razão que elas decidiram que a morte de seus maridos era a única alternativa?
— Ora, não me venhas com essa!
— Não me venhas tu com essa, Duquesa! Aqueles homens batiam em suas esposas! — Louise era enérgica em sua fala e fazia grande esforço para não elevar a voz em demasia.
— Talvez elas merecessem! Nós sabemos que existem mulheres que...
Louise avançou em direção a Harriet com os olhos injetados e a encarou com tamanha ira que a duquesa se calou e retesou imediatamente.
— Nunca mais, nunca mais, em hipótese alguma repita isso, Harriet. — disse ela pausadamente controlando a fúria que corria em suas veias — Nenhuma mulher, nenhuma menina merece apanhar de um homem. Não importa o que tenha feito. Acaso merecestes apanhar porque o Duque, aquele velho, não atingiu a virilidade necessária ou porque seu corpo expulsou o precioso filho que ele tanto quer? Sua mãe, sua irmã e tu mereceram apanhar de teu pai quando estava dominado pela embriaguez? Não, vós não merecerdes! E estou farta de lembrar a ti que não estás em posição superior à de nenhuma mulher desta cidade que a permita julgar a qualquer uma delas! Estou farta por ter de feri-la para que tenhas um pouco de misericórdia pelos que sofrem!
A dama viu os olhos da Duquesa marejarem e os lábios tremerem. Sendo assim ela respirou fundo e passou as mãos no rosto, sentindo-o quente e percebendo o tremor das mãos devido ao nervosismo, e dando pelo quarto xingando mentalmente.
— Matar não é a coisa certa a fazer. — disse Harriet, quebrando o silencio.
— Diga isso aos homens que mataram suas mulheres acusando-as de adultério e sendo protegidos pela Igreja, mesmo sem nenhuma prova de que o ato aconteceu, e no dia seguinte estavam enamorados de uma mulher mais jovem e bonita! —Louise rebateu — Diga isso aos que colocaram cinto de castidade em suas esposas, condenando-as a uma morte terrível com infecções em suas intimidades, cuja dor é incomensurável. — ela se virou para Harriet mais uma vez — Diga isso para a nossa Rainha — ela debochou fazendo uma exagerada reverência — que ordena a morte de qualquer um que não professe da mesma fé que ela! E ao nosso antigo Rei que cortou a cabeça de duas esposas só porque ele queria se casar com sua nova amante.
Harriet se sentou na cama, aturdida em ouvir tudo aquilo. Muito do que Louise falava ela desconhecia, mas outras coisas ele viu acontecer com os próprios olhos mesmo que nunca tenha enxergado com a clareza que a dama lhe mostrava.
— Eu poderia passar a noite inteira listando para a senhora mortes causadas por motivos banais e pelos verdadeiros monstros. E não estou dizendo que todos da Igreja são maus, nem que todos os homens são cruéis porque eu sei que não é verdade. E não estou satisfeita com o que faço, minha senhora. Talvez matar não seja a coisa certa a se fazer, mas é a única alternativa que muitas mulheres detêm para salvar a si mesmas e a seus filhos.
— Tu... tu podes... ser descoberta. — Harriet gaguejou e mesmo sentada ela sentia uma tontura que fazia tudo girar — E se isso acontecer, tua morte será certa não sem antes te torturarem em praça pública.
Percebendo o mal-estar da Duquesa, cuja pele ganhou um tom pálido, Louise sentou ao seu lado e massageou os seus ombros suavemente.
— Vale o risco, minha senhora. Eu faria tudo de novo se tivesse a chance e fosse necessário. — quando os olhos da duquesa encontraram os seus, ela prosseguiu — A senhora precisa entender que enquanto nós continuarmos caladas diante de tanta injustiça, nada irá mudar. E eu não vou abaixar a cabeça nem ser passiva enquanto mulheres como nós sofrem.
— Eu não quero que te matem. — murmurou Harriet caindo no choro — Eu não posso viver sem você e não quero que façam contigo, enquanto viva, o mesmo que fizeram com minha irmã, ou pior. — a Duquesa abraçou forte sua dama e deitada em seu ombro soluçava derramando lagrimas incessantes — Por favor, não deixe que te matem.
Louise a acolheu junto a seu corpo e afagando os cabelos de sua querida duquesa, sussurrou:
— Não te preocupes, amada minha. Nada de ruim acontecerá conosco.
...
"This time I'm ready to run, escape from the city and follow the sun. Cause I wanna be yours, Don't you wanna be mine? I don't wanna get lost in the dark of the night"
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Ready to Run
FanfictionNa Inglaterra do século XVI, Harriet era apenas uma menina quando foi dada por seu pai em casamento para um duque britânico muito mais velho. A moça extremamente religiosa tem todas as suas crenças e costumes confrontados quando a audaciosa e atrevi...