Capítulo IV

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A noite passara rápida e agradável. Dormi deveras profundo, sem sonhos ou pesadelos.

Despertei ao som de pássaros; o frescor do vento fazia-se o farfalhar das folhas, o encanto do amanhecer fez-se presente e tudo era novidade, a atmosfera trouxe-me ânimo.

Ao acordar percebi que o café já estava pronto e servido, Jão e Simão havia acordado há horas e Maria preparara o café da manhã bem cedo, em uma grande quantidade, antes mesmo de seu patrão acordar. Essas e outras refeições entregava o porquê do caminhoneiro ser tão volumoso para os lados.

– Bom dia! – Disse-me Maria – seu Jão e o outro rapaz foram falar com os feirantes, disse que logo voltava e que quando você acordasse era para eu te avisar.

– Bom dia – respondi – obrigado... por me avisar.

Ela mostrara-me a mesa do café e então me servir e esperei a chegada do caminhoneiro junto a Simão. Não tardou muito os dois retornaram.

– Bom dia, meu camarada. – Cortejou o dono da casa. – Acredito que, apesar de ter dormido nos colchões, tivera um boa noite de sono.

– Decerto. Bom dia, sua casa é realmente aconchegante.

– Eu que o diga – acrescentou Simão.

Simão parecia conhecer aquele camarada há anos; e eu vos adianto, essa amizade perdurou até os dias de hoje.

– Tudo isso graças a Maria – disse apontando à moça que ficara meio encabulada e voltou-se para mim – podemos ir? Logo, logo os feirantes começam a trabalhar e não terão o que vender.

– Já nascemos prontos – adiantou Simão e fomos ao trabalho.

Ao chegar fiquei admirado com a grandeza daquele espaço, a expressão em meu rosto ficou visível aos dois camaradas que estavam ao meu lado. Vários feirantes; tinha de tudo um pouco: barraca de peixeiros, leiteiros... Ah, levaria muito tempo para se ter uma ideia. E os dois camaradas riram da minha estupefação e estupefato eu ri meu riso.

O que tínhamos que fazer era distribuir os caixotes com frutas para os feirantes; engraçado era que eu nem sabia sobre o que o caminhoneiro tinha como sua carga. Logo depois descobri, eram caixotes com alimentos como escrevi há pouco.

Jão caminhoneiro era mesmo conhecido naquela cidade, todos tinham dele uma história para nos contar, das mais inusitadas às costumeiras.

Após o último caixote ser entregue, paramos em uma barraca de queijos e Jão nos apresentara mais um dos tantos amigos que tivera naquela cidade. Dessa vez era o Sr. Tomás, o contador de histórias. Tomás era um dos mais conhecidos e mais antigos moradores da cidade, todos conheciam suas histórias e em sua maioria acreditavam-se na veracidade dos fatos ditos por aquele senhor. Verdade seja dita, o nome daquele senhor, em batismo, era Tomás, mas todos o conhecia por seu Tomé-contador-de-histórias, e em todas as vezes que ele aqui for mencionado (e será pouco), o intitularei como de costume de todos da cidade. Prossigamos.

– Bom dia, seu Tomé. Como vão as vendagens? – Disse-lhe Jão.

– Ô, meu compadre, quanto tempo. Como vai indo? – Respondeu o comerciante, dando-lhe um abraço.

– Vou indo bem. Não como você, mas gostaria. – Zombou o caminhoneiro

– Deixe de besteira. – Respondeu o velho, pondo-se a rir.

– E como vai o comércio, vendendo muito? – Repetiu a pergunta.

– Graças ao nosso altíssimo. – Apontou para o céu claro repleto de nuvens – deixe eu lhe contar o que aconteceu semana passada. Acordei cedo, como de costume, a mulher fez o café, tomemos e vim pra trabalhar. Antes disso tudo, antes mesmo de acordar eu havia sonhado que havia vendido todo meu queijo e olhe só pois não é lorota. Cheguei aqui, pus tudo em ordem, do mesmo jeito de sempre; e semana antes do acontecido, a mulher disse que havia sonhado que todo nosso queijo transformara em moedas de dez centavos, isso não posso dizer que é verdade ou mentira, pois não estava no mesmo sonho que ela. Depois de colocar tudo em seu devido lugar, um grupo de jovens mineiros, daqueles viajantes que têm mais grana do que eu tenho em idade, achegou perto de minha barraca, nisso eu nem havia de se lembrar do sonho. Acredite se quiser, pois o que vou lhes dizer é a mais pura verdade, a mulher está aí para não deixar eu mentir. – Deu uma pausa para procurar a esposa que se encontrava do outro lado, na barraca de uma outra senhora. – Pois não é que o pessoal comprou todo meu queijo? E digo mais, deixaram até um troco a mais comigo. Não quiseram, não; recusaram-se a aceitar, disseram que o queijo era tão bom, melhor que o de Minas, que alguns trocados a mais pagaria o real preço; e o engraçado disso tudo é que me lembrei que boa parte do queijo veio de lá. Lá das Minas Gerais.

– Está aí o porquê de Tomé-contador-de-histórias. –Zombou Simão, olhando-me aos risos.

Depois de toda a trama contada pelo vendedor de queijo, o caminhoneiro nos apresentou a ele e a história que contei há pouco foi uma das não muitas que ouvimos ao longo dessa adorável e intricada trajetória.

– Não é que estou me gabando, mas tenho pra mim que esse queijo que vocês tão comendo é o melhor de todo o extremo sul. – Gabou-se Tomé, após nos oferecer uma fatia de seu queijo.

– Decerto eu não digo o mesmo, pois não experimentei todos os queijos do extremo sul, mas posso lhe garantir que esse é mesmo bom – e essas palavras ditas pelo caminhoneiro foi a nascente de outra memória vivida pelo queijeiro.

–Deixe eu lhes contar algo que me ocorreu no meu tempo de moço. – Iniciou seurelato – há muito tempo, quando eu ainda era verdinho, os braços mais pareciacom uma vareta, veio um senhor comprar queijo... Nessa época eu já vendiaqueijo com meu pai, lá nas Minas. Meu pai era mineiro, mas minha mãe e eu somosbaianos, depois conto essa parte. O senhor que havia de comprar o queijo medisse que não encontrava um queijo que valesse naquela região, que havia deandar todo o estado para encontrar o queijo que lhe satisfizesse. Disse tambémque nascera em Ituiutaba e que outrora estava na capital, eu fiqueibestificado. "Já perdi a conta de quanto quêjj comi té hoje" disse-meele. "Nósss Sinhora, como ocê parece um Bembeu." Isso me deixoubrabo, o camarada era mesmo folgado, eu nem tinha perguntado com o que euparecia pra ele me dizer aquilo, mas deixei quieto. Ele comprou o queijo edisse que era o melhor queijo de todos os outros, perguntou até o nome daqueijaria e o nome de meu pai e eu vos disse. Nessa hora eu não estava maisbrabo com ele. Noutro dia, quando o senhor já devia estar lá pras Brasília deMinas, eu contei ao meu pai o ocorrido, lógico que meu pai não acreditou, disse-meque não devia acreditar em tudo que as pessoas me dissessem. Eu acreditei. Meupai depois acreditou também e vocês hão de acreditar quando, amanhã, eu mostrarno jornal a foto de meu pai, o comprador de queijo e eu, juntos em frente aqueijaria de meu pai. Nosso queijo, naqueles tempos, foi nomeado o melhorqueijo de Minas Gerais.

Minha Bahia: Memórias de um aprendiz de poetaOnde histórias criam vida. Descubra agora