Capítulo XI

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Simão convenceu-me a ficar mais uma semana e o fiz; falara de seu encontro com o irmão do falecido s.r. Pai-dos-pobres.

- Encontrei-o sim, Dito. Disse-me ele que acreditava em tua inocência. Pois bem o conhecia.

- Talvez tenha me confundido, Simão. Nunca vi tal sujeito.

- Decerto me causou surpresa. Porém, Dito, fio que ele te conheça tão bem quanto conhece a teu pai. Disse-me também do desejo que tem em prosear contigo. E prometi a ele que esse momento não tardaria. Pois é de seu interesse notícias de teu pai.

- Pois bem, meu amigo. Precisamos encontrar este homem.

- E vamos, Dito. Mas espere somente alguns dias. É o suficiente para que tudo dê certo.

- Tu já sabes de algo é não quer me dizer, não é meu amigo?

- Sei não, Dito. O pouco que sei só bagunçará tuas ideias. Acalma-te que de tudo você terá conhecimento.

Na cidade, permanecemos uma semana mais. Neste meio tempo eu havia alugado uma morada. Em meio a tantas incertezas estive certo em tornar-me morador permanente de Itamaraju. Quaisquer acontecimentos que sucedesse não alteraria esta decisão. Partimos numa noite de sexta-feira. Era de nosso interesse chegar num sábado antes do amanhecer.

Chegamos cedo como planejado. Lá nos aguardava um senhor com as mesmas aparências do falecido senhor Pai-dos-pobres. Havia de ser seu irmão Anastor. Um senhor de feições sérias que gentilmente nos cumprimentara. Em especial deu-me um abraço. O casebre do senhor, desprovido de quaisquer luxos, situava-se a poucos quilômetros da Vila mangabeirense.

- Precisei mudar-me para este simples, mas confortável casebre. Fiquem à vontade.

Certamente não carecia de explicações. O senhor Anastor se escondia da morte. Escondia-se do Coronel.

Para que vocês possam compreender melhor a façanha do Coronel, vou lhes conceber uma breve explicação. O maldito arruinara a vida de tanta gente com seus planos. A começar pela morte do seu oponente em eleição, o senhor Pai-dos-pobres. A ousadia do Coronel fora tamanha a ponto de pôr a culpa em mim. Todos na Vila tinham como verdadeira a versão do próprio culpado. Por essa e outras artimanhas o sujeito escapara de estar atrás das grades.

- Para nossos conterrâneos o Coronel não somente é inocente como também um deus. – Anastor nem se quisesse esconderia sua amargura. – Ele sabe bem lidar com a carência de nossa gente. Um grande aproveitador!

O dia fora de escarço descanso e notícias em demasia a respeito dos últimos acontecimentos da cidadezinha. O que se passara na cidade após a minha retirada vinha a ser novidades. No entanto, toda maldade vinda do Coronel não mais me causava surpresa. E até então estava certo de que não me surpreenderia outrora. Para qualquer sujeito despreparado seria uma punhalada às obras feitas por aquele cão desprovido de bondade.

A noite fria relutou em findar. Desejei ter em meus braços minha pequena Ana. Sua imagem era tão nítida em minha mente que nem em sono poderia sumir. Em minha fantasia Ana casava-se comigo. Era tudo tão encantador. As vestes da noiva eram alvas, a coroa de flores brancas acentuava os negros cabelos lisos. O sorriso em seu rosto demonstrava a alegria de estar ali. O seu pai a conduzia até a mim. O rosto do velho senhor não era tão nítido quanto o rosto da noiva.

Noutro dia, ao primeiro canto de pássaro, levantei-me. Todos já estavam postos. Percebi que fui o último a acordar. Despertara do sono, porém não da utopia que proporcionara estar ao lado de Ana. A ânsia em vê-la pessoalmente só aumentou. Então, na tarde daquele dia, pedi para o jovem Artur avisá-la de minha chegada. Artur, moleque jovial, esperto para cachorro, tinha Anastor como seu pai de criação. Contava seus doze para treze anos. Os negros cabelos indicavam sua origem indígena. Sua mãe a senhora Cema fora filha única de mãe indígena. O menino era o responsável por trazer notícias da Vila mangabeirense.

- Permita que seu filho vá à casa de Ana avisá-la de minha chegada, por gentileza. – disse eu a mãe ao pai do pequeno.

- Por mim não tem problema nenhum. – disse a moça descendente de nativos e olhou para seu esposo. - O que acha, Anasto?

- Tudo bem. Este menino é muito esperto. Aproveita, filho, e traga notícias.

Em seu camelo velho, o pequeno Artur saiu em disparada. A vila não ficava mais que 10 quilômetros dali. Logo ele estava de volta.

Em vez de Ana, vinha seu irmão Zé. Ao longe vi em seu rosto um sorriso espontâneo. Retribuir com um sorriso bobo, daqueles que oferecemos quando revemos velhos amigos. Sorriso natural de quem está feliz em ver um e outro. Sem proferir palavra alguma, abracei-o. Ele fez o mesmo, abraçou-me.

- Dito! Meu amigo!

Rever Zé foi uma mistura de sentimentos. Felicidades em vê-lo. Tristeza ao lembrar de Serafim. Que cabra confuso, em momentos de felicidades permitia estar triste. Zé abraçou Simão e conversamos sobre os assuntos pertinentes ao momento. Zé me falara a respeito de Ana.

- Chega hoje ou amanhã da Capital. Foi travar os estudos. Ela decidiu ficar aqui para ajudar nossa mãe e me ajudar a erguer o comércio.

- Sinto muito, Zé. Me sinto culpado. – disse eu a ele, realmente me sentindo culpado.

- Esqueça isso, Dito. Tu não tens culpa de nada. A história que o Senhor traça às vezes não é a mesma que a gente espera. Ouvi por aí que o Coronel está sendo pressionado. Nem toda gente acredita no que ele vem dizendo. Nem todo o pessoal que estava no comício do falecido Pai-dos-pobres se vendeu a ele. Um dos comparsas dele tentou subornar um policial e se meteu com o policial errado. Foi em cana. O policial, o irmão de Rosa, homem honesto que é não vendeu sua dignidade. Porém, Dito, isso trouxe consequências a ele. Rosa, esses dias, disse-me que o irmão está com receio, pois na corporação têm homens vendidos. Mas que mesmo assim ele não irá ceder.

As boas notícias que Zé trouxera deu-me ânimo maior. Há tempos não ficava tão empolgado.

- O Coronel errou em pensar que somos iguais a ele. – Disse Simão. – As coisas estão clareando para nós, Dito. E eu que acreditei que ele havia comprado todos, ainda bem que estive errado.

- Decerto, Simão. – Disse eu a Simão e olhei para Zé – O irmão de Rosa tem conhecimento dos atos do Coronel, Zé?

- Se não tinha, Dito, passou a ter. Eu conversei com Rosa ela me disse que falaria com o irmão.

- Nos resta aguardar. – Simão lamentou.

Minha Bahia: Memórias de um aprendiz de poetaOnde histórias criam vida. Descubra agora