Capítulo XIII (Final)

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Dali a pouco me encontrei indo à cidade. Em frente a um velho bazar conhecido por todos, estava eu, tremendo de cólera.

- O que deseja, senhor? – A jovem era educada, sorridente. Algo em seus olhos indicava o parentesco com o Coronel. Julguei ser filha.

- Onde está o maldito Coronel? – o sorriso em seu rosto se desfez, dando lugar a uma expressão mista de medo e espanto.

- Ele... não sei. Não está aqui. O que o senhor quer com ele?

- Sou um velho amigo dele. Estou de passagem na cidade e gostaria de vê-lo. – Esforcei-me ao máximo para ocultar a raiva que sentia. A jovem, ingênua, caiu na conversa.

- O senhor me assustou. Ele saiu. Foi ao sítio dele resolver algo que não fiz questão de saber e muito menos ele em me dizer.

- Obrigado! – Disse eu por último. Em uma das outras vidas fui ator, ou aquela jovem era ignorantemente ingênua. Aas duas opções eram válidas.

O sítio do Coronel ficava a metros do armazém. Na cidade, tudo era muito próximo de tudo.

A enorme quantidade de arvoredos acentuava a beleza daquela fazendo. Ao longe via-se um casarão esbranquiçado. Na entrada, uma cancela azul claro. A cima uma placa de madeira esculpida com o nome Sítio dos Corine. O casarão encontrava-se ao fim do enorme corredor envolto por toras azuis.

Os relatos narrados a partir de minha visão daquele belo sítio são tão pesados quanto o peso em que as levo em mente. Os finos dedos estremecem ao entrar em contato com as teclas. A cada letra escrita uma reflexão é acompanhada. No entanto, traz-me paz partilhá-las. O peso reduz ao repassá-las ao papel.

O Coronel Corine, assassino de meu pai, de meu amigo Serafim e de várias outras gentes, encontrava-se em frente ao casarão. Caminhava em direção à entrada. Escondi-me detrás de uma árvore. Antes mesmo do dono do sítio chegar a cancela, fui a seu encontro. Aparentemente não me reconhecera. Foi se aproximando até estarmos frente a frente. Sua expressão de espanto era notória.

-Senhor Coronel. Como andas? Parece ter visto um fantasma. – Meu cinismo assustou-me. O velho parecia ter visto uma assombração.

- O que você quer? O velho está morto, não precisa mais de ajuda. – Disse-me, assustado. E não compreendi a quem se referia, ao senhor Pai-dos-pobres ou ao senhor Januário. – Posso te garantir uma grande quantidade em notas de cem.

- Fique com seu dinheiro sujo. Não é de dinheiro que preciso.

- E do que precisa? Terras, gados. Tudo isso aqui pode ser dividido entre nós. – disse referindo à cidade.

- De você eu nada quero. Senão os motivos de tanta desgraça que fizestes a minha família.

- Então já sabes de tudo, não é? – O maldito Coronel tomara uma postura diferente de outrora. De espanto e talvez medo a sarcasmo. – Seu pai não era digno do posto. Um pobre que de nada sabia sobre política. Junto do amigo eram dois velhotes. Não souberam aproveitar o presente que receberam. Em quatro anos os dois estariam podres de rico. Não, preferiram dar dinheiro a pobres vermes vagabundos. Olha o que eu tenho, o que eu possuo. Terras e mais terras. Aquele velhote, o que deixou para a família? Você, o que seu pai lhe deixou? – o Coronel cuspira toda sua ignorância sem sentir pesar. As palavras saíam e me atingiam. Não pude me conter. Dei-lhe um soco no rosto. – Você merece o inferno. Não as grades. – Dei-lhe mais um soco acertando-lhe o estômago. O velho despencou-se no chão com as mãos na barriga.

- Fiz um favor aquele miserável. Depois que a primeira dama havia ido para os infernos, carregara teu pai junto. Faltava somente a carcaça. Fiz foi um favor a ele. Dei-lhe o que queria.

As palavras do Coronel acertavam-me feito facadas em minhas estranhas. Não hesite em dar-lhe um pontapé, dessa vez acertando-lhe os braços, que protegia o estômago. O assassino virou-se de barriga ao chão. Hesitei por um tempo. O Coronel já não era tão novo, porém não tão velho a ponto de resistir tão pouco. Desconfiei de sua acuação. No entanto, deixei-me levar por sua personificação reunida de tamanha qualidade.

- Maldito seja você, seu pai e a corja de raparigas dele. – Disse, virando-se com um revólver em mão. Assustei-me, não havia de perceber a arma ocultada em sua jaqueta. – Não cometerei o mesmo erro de outrora. Tu não te escapas de minha mira. Mandarei tu onde teu pai está. No inferno. – Um disparo.

Rodopiei e parei no chão. Sentia uma pequena queimação no ombro esquerdo. Logo o braço adormecera.

- O presente poderia ser diferente. Teu pai quis assim. Ofereci, como fiz a tu, alta quantia para que ele desistisse do cargo. E ele se negou a aceitar. Tudo por essa gentinha. Inútil feito você.

No chão, com a mão no ombro esquerdo, permanecia quieto em minha agonia.

- Lembro-me daquele inútil suplicando misericórdia. Como eu disse, seu porco fedido, ofereci a teu pai uma condição especial. O danado recusou-se. Eu, ele e até mesmo você, porco imundo, estaríamos defecando dinheiro. Suas almas de pobres porcos fedidos e imundos estão condenadas a apodrecer na miséria.

Em um momento de distração, por parte do Coronel, fora suficiente para um ato. Levantei-me depressa e segurei, com as duas mãos, a arma do Coronel.

- Sua alma pertence ao diabo. O inferno reserva um espaço para você. – Disse-lhe e travamos uma luta. Ambos caímos no chão, segurando a arma. Quatro mãos em uma minúscula arma. O velho Coronel ofegava, parecia estar cansado, no entanto, havia força naquelas mãos que me surpreenderam. Eu igualmente ofegava e sentia a força esvaziar-se. Dois disparos soaram altos. Um perfurara minha mão; o outro, as estranhas do falecido Coronel Corine. Acertei-o sem a intenção. Em verdade, o próprio sentenciou a morte. Os disparos partiram dele, fiz somente desviar o cano do pequeno resolver e retirar a morte de meu encalço. Se não o fizesse, seria eu a perecer. E não existira um Dito para contar-lhes a história.

O segundo disparo resultara-me cinco anos de exclusão social. Três anos foram o tempo que desfrutei de sois quadriculados. Os dois anos restantes pude desfrutar de manhãs acompanhadas de sois deslumbrantes e em sua forma habitual, vistas da Capital baiana.

Pude desfrutar da liberdade graças às autoridades que descobriram os esquemas de falsificação de votos no qual o falecido Coronel chefiava. Toda sua quadrilha fora detida. Os vários crimes executado e mandado pelo falecido foram apurados. Certamente o falecido encontrava-se no inferno pagando por todo mal executado em vida.

Findado o quinto ano na Capital, Ana e eu retornamos à nossa cidade de nascença. Ana havia concluído o curso de pedagogia. No terceiro mês, já em terras mangabeirenses, casei-me com a Ana Mária – a minha Ana, a Baiana para os demais, a Tia Aninha para os alunos da terrinha.

A festa fora digna de casório Real. Um duplo casamento. Quatro noivos. Zé e Rosa, Ana e eu. As noivas em seus vestidos alvos assemelhavam-se a anjos. Os noivos, nem um pouco preocupados em disfarçar o nervosismo, eram somente felicidades.

- Tu cativas o que cultivas. Felicidades, Dito. Cuide bem de minha mana.

- Faço das suas palavras as minhas, Zé, meu amigo. Tu és merecedor. Rosa te fará o homem mais feliz do mundo. E tu a ela.

Permanecemos no condado por pouco mais de três anos. E então regressei a Itamaraju. Minha noiva havia de ficar por dentro de um ano e meio em nossa terrinha tão expressiva. Sua mãe Maria Mária, minha sogra, a Maria dos Remédios partira de encontro ao seu fiel companheiro Sr. Januário. Foram viver a eternidade de junto ao Pai criador.

Em na terrinha do extremo sul da Bahia Ivar e Maria uniram-se perante a Igreja. Um modesto casório como convém os noivos. Quem vos conta-lhes estas memórias fora o padrinho. Com muito orgulho por sinal. Helena fora a madrinha. Esta, no entanto, fora morar nos estrangeiros. Sicília. Casara-se com um italiano de nome Alberto Brunon. Antes mesmo de partir, Helena me nomeara bibliotecário. Aceitei com muito orgulho, diga-se de passagem.

Meu amigo Ivar tornara-se grande poeta recitado por todo o extremo sul baiano. Símbolo da cultura baiana, fora prestigiado com incontáveis homenagens. Colégios, teatros e crianças recebiam seu nome como de batismo. Humilde como nunca deixará de ser, ensinou-me a arte de narrar, escrever. A incapacidade de suprir todo o ensinamento fora unicamente minha.

Minha Bahia: Memórias de um aprendiz de poetaOnde histórias criam vida. Descubra agora