Capítulo X

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Passaram-se duas semanas. Em um belo dia de sábado os dois caminhoneiros partiram antes da aurora fazer-se presente. A caminhada era longa e meus amigos precisavam chegar ao seu destinatário na Segunda-feira próxima. Ficariam um mês e meio fora de casa. Casa não é, talvez, a palavra certa para esse contexto. Desejei-lhes boas sortes!

Jão e Maria estavam a par de todas as desgraças transcorridas. Simão tratou de pôr Jão por dentro das informações quando em sua primeira viagem.

À Maria eu me encarreguei. Num domingo à noite relatei os infortúnios. E ela ficou abismada.

- Deus do céu, Dito, que tragédia!

As primeiras semanas, após meus amigos partirem, foram de total desânimo de minha parte. Maria havia relatado os motivos de meu abatimento à sua amiga Helena. E uma e outra bajulou-me deveras bastante.

- Ânimo, Dito. Do que adianta tanta aflição se logo nossos amigos regressam.

- Maria tem razão, Dito. Acalma-te, meu amigo.

Fiquei matutando sobre tudo, sobretudo a fala de Helena: Acalma-te, meu amigo.

Trouxe-me ligeiro conforto. Certamente Maria falara a respeito de Ana. Não é coisa minha alimentar qualquer sentimento inautêntico. Talvez Helena julgasse sentimentos românticos de minha parte. E percebendo meu erro, quis eu mesmo transparecer esse equívoco.

Em uma de nossas andanças, Maria não estava presente, disse-lhe eu:

- Helena, fio que já tenha entendimento de minha atual situação. E de tudo o que antecedeu minha presença em tua cidade. Não inquiete-se, pois não tenho intenção de ocultar tais acontecimentos. Não os disse antes a ti e à Maria pois pouco nos conhecíamos. Compreende?

- Decerto! Fico triste por tudo que tens passado. Nossa amizade continua.

Neste dia mesmo, fomos eu, Maria, Helena e Ivar ao também singular cinema da cidade assistir a uma obra cinematográfica, produzida por colegiais. Como relatei outrora, Ivar era responsável por quase todo projeto cultural da cidade. Vez ou outra recebia apoio político. As maiores parcelas de apoio vinham dos próprios cidadãos.

Ao sair do cinema um acontecimento me intrigou. E talvez não seja o mesmo sentimento de vocês, no entanto, sem dúvidas seria, caso conhecesse estes dois personagens que protagonizaram o acontecido. Ivar e Maria.

Há mais de um mês convivendo em presença destes célebres e não descobri o relacionamento de ambos. Sim, estes dois já partilhavam sentimentos recíprocos desde a juventude. Admito tamanha lerdeza partilhada igualmente por Ivar. No entanto, o mérito do atraso desta descoberta não me é somente atribuída. Ressalta-se os discretos namorados.

- Custar-me-ia acreditar se eu não presenciasse tal bela cena! – disse-lhes eu aos consortes. E ambos riram. Talvez pelo uso, não casual, da mesóclise.

Dia desses chegara, em casa de Jão, uma correspondência tendo eu como destinatário. Maria me entregara, à noite, quando retornei do trampo.

- Pra tu, Dito. De um senhor José Tenório Januário Neto. Deve ser de tua terra.

Sim. Decerto era de minha terra. Zé, meu cunhado, era o remetente. Agradeci Maria e fui-me ter uma profunda tristeza ao ler a carta. Outra vez, em um curto espaço de tempo, dando nem para chorar a morte de meu amigo Serafim, o senhor Januário, pai de Ana e Zé, veio a perecer. Quando criança, ao suportar dois dos piores momentos de minha história, disse eu a morte: "quem quer tu levares daqui em diante, não me abalará nem mesmo o fio de cabelo." E ela: "sabes que és mortal e ainda assim me desafia?" anos mais tarde vim a perder uma tia, um grande amigo e agora um padrinho. O ser humano é deveras frágil.

A morte do senhor Januário perfurou-me a alma de tal maneira a deixar-me de cama durante uma semana seguida. Neste período ocupei-me a pensar em meu regresso às terras que eu nascera. Dias difíceis foram aqueles.

Maria consolou-me o quanto foinecessário e resolvera todo o processo junto ao meu patrão. No derradeiro diado mês, exatamente uma semana depois da correspondência de meu cunhado, tiveânimo suficiente para erguer-me do ócio. Passada uma semana de minharessurreição e duas da triste notícia enviada em papel por Zé, decidi trilhar ocaminho de volta à vila que viste eu vir ao mundo. De momento, não cheguei a irpois Jão e Simão surpreenderam-me com sua chegada. Simão tinha conhecimento daúltima nota. Ao regressar a Itamaraju, passara em casa de Zé. Chegara a estarpresente no momento da cerimônia fúnebre. Disse-me tudo. Sobre o estado que seencontrava a dona Maria dos Remédios. Disse não ter reconhecido o falecido paide Ana. "Vi somente traços esqueléticos."

Minha Bahia: Memórias de um aprendiz de poetaOnde histórias criam vida. Descubra agora