Kael 01

2 1 0
                                    

Ajeitou o mangual preso as costas ouvindo-o retinir, estralou seus ossos do pescoço olhando o corpo do seu oponente no chão. A cabeça do homem estava cheia de furos por onde o sangue escorria descendo pelos densos e negros cabelos sujos do cadáver, molhando a areia vermelha sob os pés. O vermelho brilhava, e Kael sabia que o cheiro era um chamariz.

Olhou uma última vez para o corpo que tinha deixado naquelas condições, se lembrou do que seu pai tinha dito no dia anterior, era a segunda vez que se lembrava daquilo.

— Você vai ter que fazer coisas que não quer fazer, e na maioria das vezes não faria. Quando acabar, não olhe para o corpo. Se quiser dormir à noite, não olhe! — Tinha dito seu pai, Elíon.

Agora aquele conselho parecia nunca ter existido. Kael estava em pé parado olhando para o corpo do homem que derrubou com um único golpe após desviar das estocadas e cortes da espada. O mangual era uma arma perfeita por isso. Sua haste cheia de espinhos acertava e matava, sem mais nem menos. Não era como uma espada que precisava passar por escudos.

Kael deu uma última olhada no corpo, ele e defunto estavam imóveis.

Abaixou-se e soltou o cinto do homem empurrando-o para o lado, Kael era alto para um garoto de quase dezessete, mas não tão alto quanto seu meio-irmão. Além de tudo era forte, mais forte que a maioria da Caverna.

Observou o cinto, a espada era um gládio feita com metal escuro, não era aço, provavelmente latão com gume forçado na forja. Barato e serve para combates simples. O defunto em questão era um garoto de dezessete ciclos de cabelos negros voz grossa e cavanhaque crescente, provavelmente não teve um treinamento ou recursos para treinar, Kael chegou à conclusão que era um filho de fazendeiro ou coisa pior, o menino não sabia sequer brandir a falsa espada que carregava.

Fazendo uma careta de desgosto virou-se e saiu dali, deixando para trás a espada de latão.

Olhou ao seu redor tentando se localizar, estava a pouco mais de dois quilômetros da entrada da Caverna e a um quilometro e meio para mais do dragão que ficava girando no chão perseguindo um dos guerreiros enquanto outro de armadura tentava matar a besta, como se tal coisa fosse possível.

— Malditas bestas aladas. — Disse segurando o punho de seu mangual com força.

Sua voz era a de uma criança, não tinha ainda passado por todas as mudanças que chegada da idade adulta impunha aos homens.

Então pensou no que fazer, que rumo tomar. Um tanto que livre, um tanto que perdido ali naquela liberdade. Era um enorme campo como nas canções que os vitoriosos ouviam noite adentro. Era chamado Enseada Dragão porque descendo da Caverna em linha reta qualquer um encontraria o mar. Eles sabiam o que era o mar graças as canções, mas nenhum habitante vivo da caverna tinha visto as águas salgadas, ninguém em muitos ciclos conseguiu descer a enseada.

Kael se deu conta novamente do tamanho daquele lugar. Era terra que não acabava e para onde olhava era vermelho e quente, com ondulações de calor subindo do solo. Não via árvores ou plantas ou vegetação, era só pedras e rochas e a montanha!

O dragão, que até então girava como se corresse atrás de algo, moveu sua atenção para o topo da montanha. Suas escamas brilharam com a luz do sol e suas asas se abriram proporcionando sombra para uma boa parcela de terra. Ele era de um tom azulado tão escuro que quase se passava por preto, os brilhos, porém, lançavam uma tonalidade vibrante azulada, exceto pelo couro das asas que aparentava ser negro e apenas. Um brusco movimento levou poeira a níveis inimagináveis, e o dragão surgiu do meio daquela nuvem de poeira subindo no céu, rodopiando no ar, em fúria, suas asas engolfando o pó e a areia em redemoinhos e jogando tudo para longe.

Draco et HominesOnde histórias criam vida. Descubra agora