Ellor 02

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No primeiro dia só existia vermelho em sua visão. Tudo, por todos os lados, era areia e terra vermelha. Às vezes um esqueleto e até mesmo uma espada já corroída pelo tempo. O clima era calor durante o dia e calor durante a noite, não existia trégua ou descanso, e quando se pensava poder dormir, os sons estridentes dos urros dos dragões forçavam todas as criaturas sem asas a redobrar cautela e ficarem de pernoite. Não que existissem muitas criaturas por ali.

Ellor não era exceção, e no primeiro dia não tinha dormido durante a noite, com medo, terror, daquelas criaturas. Não tinha visto nada demais, não tinha estado ao lado de um dragão, mas a ideia lhe causava o mais primitivo dos instintos que um homem poderia ter, medo.

Tinha se abrigado em uma rocha tão torta que não o cobria direito e ficou ali, encolhido com seu gladio na mão pronto para morrer. Mas o sol nasceu queimando sua pele logo cedo e ele voltou a andar. Sem consolo algum. Na metade do segundo dia percebeu que não aguentava mais, e a sede e a fome pareciam cortar ele por dentro, mas a sede era pior. Tinha vomitado quatro vezes naquele dia, um vomito sem nada além do ácido gosmentos e esverdeado do estômago. Olhou em volta procurando vida, se visse qualquer coisa, um lagarto de fogo, já era o bastante, mas parecia que ele era a única criatura viva... ele e os dragões. E não poderia comer um dragão.

Continuou andando até que não pudesse mais andar, então parou para descansar em uma pedra que, devido a posição, proporcionaria sombra até o sol se pôr, mas adormeceu e só acordou quando ouviu um trovão forte. Não sabia quanto tempo tinha dormido nem por quanto tempo a noite se estendia, mas decidiu não perder mais tempo, levantou-se, ajeitou o Gladio lembrando-se de seu pai, e pela primeira vez não sentiu ódio ou raiva de Elíon, enrolou o pano em volta da cabeça lembrando-se de Miz e Liza, o coração doeu mais que o estômago, e ele teria chorado se tivesse alguma lágrima nos olhos, mas estava seco. Suspeitava que até mesmo seu sangue começava a secar dentro dele. Quanto tempo até eu cair? Sentia-se mais fraco a cada passo

Continuou andando conforme nuvens negras se acumulavam nos céus, e uma centelha de esperança se impregnou em seu coração. Naquela noite choveu, e ele acordou com os trovões, subiu no topo da rocha aonde estava apoiado para dormir, se despiu e deitou nu sobre a pedra fria e molhada, deixando a água lavar seu corpo e suas roupas, bebendo cada gota que podia. A chuva tinha seguido por algumas horas, ele não saberia dizer ao certo, mas aproveitou cada segundo e no final... não se lembrava do final.

Havia dormido ali, enquanto ria pois não iria morrer! Isso era motivo para rir.

E quando caiu no sono, caiu, também, nos sonhos. E mergulhou nas suas próprias lembranças.

No sonho ele ainda era uma criança, tinha sete ciclos e Miz estava no pátio das Estacas com os outros garotos. Brincavam com espadas feitas com os fêmures de defuntos dissecados antes de enviados para fora da Caverna.

Ossos eram matéria prima para tudo. Facas, móveis, espadas de treino, ferramentas. Tudo. Existia pouquíssima madeira na Caverna e a que existia não era proveniente dali. Não existiam árvores lá. A madeira tinha vindo junto da comitiva que havia trazido eles àquele ponto. Á Caverna.

— Um grande rei de uma cidade muito distante veio atrás de um tesouro, mas encontrou fogo no lugar do ouro.

Ela contava a história para ele com um sorriso, um sorriso reconfortante o bastante para acalentar aquela dor da solidão. E nas histórias de como os homens habitaram a caverna, Ellor encontrou paz naquela noite. E quando abriu os olhos no outro dia estava nu, deitado sobre a cama de pedra, suas roupas do lado, escorridas e com várias marcas onde a sujeira não desprendeu por completo, só então percebeu que tinha adormecido ali, no meio da tempestade, o cansaço o tinha acometido e ele o tomou por tolo pensando ser mais forte que o próprio corpo. Os limites do homem mostraram sempre vencer, de novo.

Draco et HominesOnde histórias criam vida. Descubra agora