XXI - Bateria em apuros

161 29 7
                                    

Quando Adam e eu entramos no quarto de hospital, encontramos Simon dormindo. O médico estava ao seu lado, verificando alguma coisa em uma prancheta. Entre uma anotação e outra, ele voltava a olhar para Simon.

Simon tinha um curativo médio acima da sobrancelha esquerda. Seus óculos estavam sobre a mesinha ao lado da cama, quebrado em duas partes.

Eu não fazia ideia do que tinha acontecido com ele, mas não precisava de muitas informações para começar a me preocupar. Simon estava no hospital e seus óculos –que Mercedes mencionara o valor caríssimo –quebrados já eram motivos o bastante.

— O que aconteceu com ele? — Adam tomou a iniciativa, já que eu não tirava os olhos de Simon.

Levantei a cabeça e o médico suspirou, voltando-se para Adam e eu. O homem arrumou os próprios óculos sobre o nariz e deixou sua prancheta sobre a mesinha.

— Simon caiu na escola. Pelo que me contaram, algumas crianças esconderam os óculos dele. — O médico explicou. — As crianças que viram estavam falando... Os moleques esconderam os óculos para tirar onda com ele.

Arregalei levemente os olhos. Simon estava sofrendo bullying na escola?

— Ele foi procurar os óculos, mesmo sem enxergar direito e... Bem, acabou caindo. — Concluiu o médico.

O aperto no coração que senti foi inevitável. Era horrível imaginar Simon sentindo-se sozinho em um lugar cheio de crianças, já que boa parte delas estava contra ele, sem nenhum motivo além da ignorância.

Me doía também perceber que aquelas crianças lembravam atitudes minhas enquanto estava em Aspen. Acompanhada por Cindy e Eva, eu ria das pessoas por motivos fúteis, como seus narizes, seus cabelos ou seus óculos redondos.

Geralmente, fazíamos piadas sobre coisas que as pessoas não podiam mudar. Independente de elas puderem mudar ou não, não tínhamos o direito de rir. Se fulana quiser usar uma blusa rosa da década de 80, que use. Minhas amigas e eu não temos nada a ver com isso.

Olhando para trás, eu era igual, se não pior, a aquelas crianças.

Decidi que faria uma lista para cada pessoa que importunei, ri, debochei, humilhei ou qualquer coisa do tipo. Listaria nome por nome, motivo por motivo e levaria tudo para casa para poder me desculpar com cada uma delas.

Quando despertei de meus pensamentos, notei que Adam e o médico estavam consertando os óculos de Simon com uma fita. Não era nenhum resultado digno de Einstein, mas até que eles estavam indo bem.

— Vee? — Simon chamou, baixinho.

Olhei para ele. Seus olhos estavam semicerrados, forçando para enxergar alguma coisa. Não sei como, mas Simon me reconheceu, mesmo sem enxergar metade do que podia com os óculos.

O médico me entregou os óculos e os coloquei no rosto de Simon, que abriu um grande sorriso ao ter certeza que era eu ali. O garotinho apontou para meu casaco vermelho, estalando os dedos.

— Imaginei que fosse você por causa do seu casaco. — disse. — Eu sei que você gosta dessa cor.

Sorri e afirmei com a cabeça. Sem muito jeito, afastei o cabelo de Simon da testa, fazendo-o rir. Era como se ele nem lembrasse da queda.

— Você está melhor? — perguntei. — Quer falar sobre o que aconteceu?

Simon abriu a boca de um jeito que fez parecer que contaria toda a sua vida desde onde se lembrava, mas parou ao notar a presença do médico ali. Ele franziu os lábios e negou com a cabeça.

— Eu... — o médico coçou a nuca ao notar o incômodo de Simon. — Vou acertar as coisas para a alta dele, prometo não demorar.

Adam e eu concordamos e o médico rapidamente saiu do quarto. Além de estar indo cumprir suas várias outras obrigações, talvez o cara entendesse que crianças se sentem mais confortáveis com conhecidos por perto. Talvez tenha um filho.

Quero voltar para casa Onde histórias criam vida. Descubra agora