Hailee e eu nos conhecemos desde o quinto ano, sempre contei tudo para ela, ou quase tudo. Nossa amizade só acontece dentro da escola, eu não saio muito, e também nunca fui à casa dela e vice-versa. Meus pais não permitem que eu saia, apenas quando é extremamente importante, como ir à pequena e única biblioteca da cidade para estudar.
Mas isso não é um problema, se eu pudesse sair, só vagaria por ai, porque não conheço ninguém e nem tenho lugares que eu goste, em exceção a biblioteca que eu podia ir livremente. Já até pensei em me encontrar com Hailee nessas saídas à biblioteca, mas seria motivo de chateação para meus pais, além de que não tem a necessidade, nos vemos todos os dias tirando sábado e domingo, e isso já está ótimo.
Hailee tem 18 anos, estamos no segundo ano do ensino médio, ela estava atrasada porque não conseguiu passar em uma das matérias mais importantes: matemática e física. Bem, eu não sou um gênio, mas sei o básico e tento ajudá-la com isso. Minha área mesmo é humanas, pode se dizer que nisso sou boa de olhos fechados. Não acho que isso é motivo de desespero, cada um se identifica com algo.
Já era fim de semana, ninguém trabalhava, logo eu não despertava muito cedo com os ruídos do andar abaixo.
As oito em ponto eu já me espreguiçava na cama, meu relógio biológico me favorecia a não acordar muito tarde, poderia dormir a qualquer hora que acordaria sempre cedo, eu gostava disso, de ser uma pessoa matinal. Não havia sol batendo no meu rosto, a luz lá fora era tão pouca que o quarto ainda se encontrava escuro. Totalmente acordada me dirigi ao banheiro fazer minha higiene, eu usava meu moletom rosa com um ursinho fofo, ele era grande e desgastado mas nunca o abandonaria, cobria minhas coxas e se passaria fácil por um vestido.
A casa estava silenciosa, passei pelo quarto dos meus pais e por não ouvir nada, deduzi que estavam dormindo, ainda. O corredor não era muito iluminado, ali não havia nenhuma janela, só no andar de baixo, mais um esforço a se fazer para não tropeçar e cair de cara direto na sala.
Desci as escadas e atravessei a sala, indo direto para as janelas e abrindo todas as cortinas. O tapete felpudo fazia cosquinhas nos meus pés, o que me lembrou de calçar os chinelos antes de Sinuhe acordar. Desanimada fechei a porta da geladeira, só havia algumas frutas nela, nada de suco ou cereais. Não entendo a falta de comida, não é por não ter dinheiro, já que meus pais trabalham muito, temos uma boa renda e sim a obsessão da minha mãe com comidas saudáveis.
Sei que ela se preocupa com nossas alimentações, mas eu preferiria viver feliz com minhas besteiras favoritas, comprava lanches na escola e trazia para casa, sempre fui sorrateira e esperta em escondê-los no meu quarto, pode se dizer que vivia com medo de ser descoberta, mas não posso me conter. Por isso rapidamente subi para meu quarto e peguei minha bolsa dentro do guarda-roupa, tirei o saco de cereais e me sentei no piso de madeira. Em poucos minutos ele já havia acabado, coloquei meus chinelos e fiz todo o meu dever, ele teria de ser entregue no próximo mês, mas como não havia nada para eu fazer, adiantei.
Arrumei minha cama, vesti uma calça jeans e all star pretos, uma blusa larga e voltei para a sala, dessa vez papai já se encontrava na cozinha e mamãe sentada no sofá, ela segurava uma xícara de café e na outra mão segurava o jornal. Sorrateiramente deslizei à porta principal, quando já estava pronta para abrir, sua voz soou atrás de mim:
"Karla, aonde pensa que vai tão cedo?".
Sorri me virando de frente para ela, receosa caminhei em sua direção e lhe cumprimenteicordialmente, como ela ainda se encontrava com a xícara cheia, me esforcei para não me esbarrar nela e evitar de fazer café voar ao nosso redor.
"Ah, irei à biblioteca" lhe dei o meu melhor sorriso, talvez ela me liberasse sem mais perguntas.
"Hm, sim. Só dê bom dia ao seu pai e pode ir. Não chegue tarde." mamãe voltou a se sentar, já se concentrando novamente no jornal e fui até a cozinha, me segurei para não saltear de felicidade. Fitei Alejandro que abria os todas as gavetas a procura de não sei o quê. Lhe desejei um bom dia e fiz meu caminho até a rua.
Não havia muitas pessoas perambulando por ali, por isso não houve comentários sobre o tempo. Como a cidade não era tão grande, não demorei menos que uma hora para chegar à biblioteca, empurrei a porta de vidro pesada e fiz um esforço a mais, como não consegui abrir me afastei e encontrei a placa que informava que a biblioteca não abriria hoje, infelizmente.
Soltei um suspiro frustrado e baixei os ombros, olhei para os lados, não estava nada aberto, estava um breu total, uma caminhada perdida. Uma vez que me conformei, virei os calcanhares para voltar para a casa, mas encontrei o único estabelecimento aberto, sempre vinha na biblioteca mas nunca percebi que havia uma cafeteira bem a frente, ando olhando muito para cima...
Atravessei a rua e fui até a cafeteria, haviam duas mesas ali fora, empurrei a porta e soou por todo o pequeno local o som suave do sino. Suspirei, o lugar era aconchegante, as mesas ficavam ao lado do vidro dando ao cliente a visão das casas na rua, porém não havia ninguém ali exceto eu e a mulher no balcão.
"Olá." saudei a mulher alta e loira, com um sorriso.
"Vai querer o quê?" ela perguntou com com cara de tédio, deixei de sorrir. Quanta grosseria para atender alguém. Me afastei da vitrine e fitei os doces que haviam ali. Devoraria todos se pudesse. Mas optei pela rosca coberta de chocolate.
A agradeci e fui sentar-me na última mesa, a mais afastada. Ainda não havia ninguém pelas ruas, mas as janelas das casas já estavam sendo abertas. Enquanto comia aquela delícia de rosca, pensei no que mamãe faria se me visse comendo essa bomba de glicose que ela jura de pés juntos que eu nunca comeria, no máximo eu levaria um grande sermão e ficaria sem sair nos próximos anos.
A mulher do balcão me fitava com uma carranca, rapidamente desviei meu olhar do dela. Eu nunca tinha lhe visto, e nem lhe feito nada, o ódio dela por mim foi de graça, ou ela odeia esse trabalho, escolho a segunda opção. Limpei ao redor da minha boca com os dedos e me levantei, iria embora, ainda não tinha dado o tempo que eu ficaria da biblioteca mas não havia nada a se fazer ali.
"Quanto deu?" ela tirou o olhar da tela do seu telefone e me olhou. Ela com certeza odeia esse trabalho, se eu saísse daqui viva, nunca mais passaria nem na porta. Quando ela disse que aquela rosquinha era o dobro do que eu tinha, eu queria correr mais do que minhas pernas poderiam suportar.
"Ah sim, acho que deveria ter perguntado o preço antes" meu rosto estava queimando, não sei se era de vergonha ou de medo.
"Você é louca ou o que, garota?" era impressão minha ou ela estava quase pulando do balcão para me atacar.
Fui dando passos para trás, eu queria fugir dali, covardia? Sim, mas quem não tem com uma mulher daquelas te encarando como se fosse te matar.
Vire mulher, Camila! Meu subconsciente mandou.
"Olha moça, eu sei que vontade é a última coisa que você tem agora, mas a culpa não é minha se eu esqueci de pegar dinheiro quando sai de casa, então eu pego e depois venho te pagar. Por favor." disse tudo de uma vez.
"Oh anjo, só porque sou loira tu pensa que eu sou burra?" arregalei os olhos.
"Mas não foi isso que eu disse, lhe trago sim o dinheiro, só espere alguns minutos, eu prometo." Disse e me virei para sair correndo dali.
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Reasons to Stay
FanfictionViver em uma cidade pequena nunca esteve em seus planos, porém a vida sempre lhe prega peças. Michelle é movida por sede de achar a verdade, um objetivo certeiro, mas o destino lhe pôs uma garota completamente desastrada em seu caminho. Inesperado...