Funeral

37 24 19
                                    

Camila

    Parecia a coisa mais inacreditável do mundo, eu de mãos dadas com Mariana que não parava de tremer por um só segundo. Meu sentimento de raiva foi se esvaindo quando chegamos no corredor de bebidas, ver ela tão pálida daquela forma estava me deixando um tanto desesperada.

    Mariana se sentou no colchão, ela olhava ao redor, mas não parecia olhar de verdade, parecia estar em algum tipo de transe esquisito. A poucos momentos ela havia começado a rir, talvez ela tivesse achado a situação engraçada, mas aquilo só fazia tudo ficar mas bizarro.

     — Pegue. Beba tudo — Entreguei a ela uma das garrafas que eu já havia aberto, mas não tinha provado ainda. Me espantei ao vê-la tentando beber tudo de uma vez só, o que lhe causou uma tosse insistente.

    — Pelo amor de Deus Mariana, é pra você beber aos poucos. — Dei alguns tapas nas costas dela vendo a tosse passar.

    Por mais que eu a odiasse ela me fez esquecer de tudo por alguns instantes, algo que eu achei que não conseguisse mais fazer, afinal estar trancando nesse lugar, com um bando de gente tola e ter de lidar com o fato obvio de que minha avó morreu e o mundo tinha acabado tira totalmente a minha vontade de ao menos pensar na possibilidade de sorrir.

    Eu me levantei e fui até o corredor de higiene pessoal, procurei pelas prateleiras onde haviam caixas com opções de band-ainds estampados e peguei um colorido com algumas figurinhas, achei que iria combinar com Mariana. Também peguei algodão e álcool para limpar aquele corte, eu fiquei feliz que Natália tenha pensando em nos ajudar mas a ideia dela de jogar latas foi tão estupida que se ela não estivesse do nosso lado na hora da confusão eu teria furado ela.

    Vi Mariana perdida em seus pensamentos enquanto segurava a garrafa, cada golada que ela dava era uma careta nova que ela fazia. Eu me sentei a sua frente colocando as coisas que tinha pegado no chão entre nós, ela bebeu mais um gole da garrafa e olhou pra mim. Aquele minuto de trégua entre nós, entre a nossa briga de anos atrás, significava muito, para nós duas. Ela veio um pouco mais para frente, se aproximado de mim. Pude sentir o cheiro da bebida e o metálico do sangue. Limpei o machucado, não era grande coisa e ela não reclamou da ardência até porque já estava sob efeito do álcool.

    — Aquela Mayara é uma vadia. — indagou ela, a voz embargada, o rosto sério.

    — Ela é sim. — respondi rindo, imaginar que a Srta. Perfeitinha falava palavrão era uma novidade até pra mim.

    — Teria sido melhor se ela tivesse ficado do lado de fora.

    Aquilo havia soado de forma horripilante, eu não gostava de Mayara, mas não gostaria de vê-la sendo devorada pelos enfermos. Eu me perguntava se a mente de Mariana era tão bizarra daquela forma, ou se ela só estava bêbada e com raiva. Eu esperava muito que fosse a segunda opção.

   — É muito irônico que logo eu e você tenhamos ficado presas aqui, juntas, quais as chances? — disse pensativa e sonolenta.

    Depois de tudo o que havia acontecido entre nós, era como uma justiça divina, nosso castigo era torturar uma com a presença da outra durante o maldito apocalipse.

     — As chances não eram muitas. Mas aqui estamos — murmurei, estávamos próximas demais uma da outra, eu podia sentir o cheiro de seu cabelo. Era como uma lembrança viva do meu passado, era doloroso e reconfortante, uma tortura. O problema pra mim era que em todas as minhas lembranças, os meus melhores momentos, os meus dias mais felizes, ela estava lá, ela estava lá o tempo inteiro. Até que decidiu que estar lá não era tão importante assim, e sim vergonhoso.

AlligateOnde histórias criam vida. Descubra agora