Apagão

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Ligia

    Já era nosso quinto dia ali, pela com o passar dos dias o tempo havia esfriado bastante e a chuva lá fora continuava sem parar, dissipando o calor intenso dos dias anteriores, lavando o sangue do chão. Letícia comia o lanche da tarde que Natália havia acabado de entregar para todos, depois que Alexandre havia ido embora a administração de tudo estava mais difícil. Eu estava sem fome, então dei minha parte para Letícia. Eu preferia não falar sobre nossa mãe, prefiria deixar Letícia se acalmar antes de falarmos sobre aquilo, mas sabia que ela pensava sobre nossa mãe mesmo que não o comentasse. Eu não podia deixar de pensar no discussão que tivemos antes disso tudo acontecer, "Quando todo mundo não estiver mais aqui você não vai ser nada".

    Eu tentava não me culpar sobre nada daquilo, eu tentava respirar e focar no momento, focar na minha sobrevivência e na de Letícia, mas meus pensamentos não se mantinham calmos.

    Mayara havia começado mais uma discussão, ela achava fielmente que deveria haver um líder para decidir por todos. É claro, que ela iria se oferecer para liderar.

    Muitas pessoas não estavam prontas para se manifestarem, mas quando todos se acalmassem e decidissem botar a boca no trombone o mercado iria virar um campo de guerra. Mayara era a maior influenciadora, sussurrando como um diabinho no ombro das pessoas que estavam cansadas e abaladas demais e se deixavam levar.

    Eu não confiava nem um pouco no julgamento de Mayara, ela era desesperada e mais assustada do que todos os outros, já havíamos aprendido de o medo transforma as pessoas.

    Letícia se juntava com as crianças e brincava, podia esquecer de todos os problemas por um tempo, embora eu duvidasse que ela realmente se divertisse, ela parecia constantemente preocupada e parecia brincar apenas para me acalmar.

    — Quando nós nos livrarmos dos enfermos que ainda estão dentro do shopping, a gente pode pegar os brinquedos daquela loja e trazer pra eles poderem brincar  — sugeriu Camila, distribuindo as cartas. Quando não estávamos verificando todas as entradas ou indo até o telhado para ver se avistavamos alguém ou nos preocupando, nós jogávamos cartas para passar o tempo.

    — É. Seria bom — murmurei pegando minhas cartas.

    — Tirando os enfermos eu nunca pensei que o apocalipse fosse ser tão tedioso — disse Sabrina, colocando uma carta sobre a mesa.

     Camila lançou um olhar estranho a ela, mas Sabrina não percebeu.

    — Claro. Porquê nós estamos aqui, e os que estão lá fora? — retrucou Rafael. Rafael e Sabrina brigavam na maior parte do tempo. Camila e Mariana discutiam com frequência também, todos descontavam sua raiva e tensão em alguém ou algo.

    Depois de três partidas parei de jogar, eu não conseguia manter minha atenção em nada por muito tempo, eu estava alerta o tempo inteiro, e não dormia mais do que três horas por dia.

    — O que vocês acham, tipo isso aqui é uma democracia e tal e ela vai querer que todos votemos pra que ela seja a líder — indagou Rafael de repente sinalizando discretamente para Mayara, que conversava com uma mulher.

    Camila deu uma risada seca.

    — O que ela vai fazer com quem não votar nela? Ela não pode fazer nada.

    — Mas você não acha que a gente devia ter um líder? — perguntou Sabrina.

    — É claro que eu acho Sabrina, mas eu quero votar em alguém que tenha mais de dois neurônios funcionando. — esclareceu Camila, botando as cartas na mesa e vencendo a partida.

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