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Quando Apollo e eu começamos a conversar de verdade, fiquei surpresa com a facilidade que eu tinha em conversar com ele.

Eu estava acostumada à ouvir todo mundo falar em silêncio e não era algo que eu fazia de propósito, era só o meu jeito. Sempre foi difícil conversar e me relacionar com as pessoas, e meus amigos pareciam entender. Com Apollo era diferente.

Eu tinha a necessidade de falar e ele parecia ter a necessidade em me ouvir. Eu falava sobre qualquer coisa, eu não suportava o silêncio, e eu queria tanto fazer com que ele gostasse de mim... não de um jeito amoroso ou coisa assim, eu só não queria que ele me odiasse tão cedo.

Naquela noite, Apollo e eu conversamos sobre tudo. Sobre livros, música e o futuro, assuntos que nos deixavam à vontade e Apollo era mais parecido comigo do que eu esperava.

Talvez fosse por isso que fosse tão fácil estar com ele.

Com o passar dos dias, nos aproximamos mais e eu passei a introduzi-lo aos meus amigos, que de inicio, estranharam bastante, mas logo todos o aceitaram porque ele também era como todos nós.

Estava chovendo hoje, enquanto Apollo e eu estávamos sentados na frente da escola. Descobri recentemente que ele fuma, o que de verdade, não me agrada, porque me lembra do pai e de como ele fumava toda hora. Eu odiava ver isso quando era pequena, morria de medo que meu pai adoecesse e eu o perdesse.

Ele não adoeceu, mas eu acabei perdendo-o de qualquer forma.

- No que está pensando? - ele me perguntou, enquanto dava outra tragada.

- Me diz você. - falei, olhando a chuva.

- Estou pensando no que quer que esteja pensando. - ele disse.

Dei um sorriso e o empurrei.

- Você precisa parar de ser enigmático. - falei.

Ele riu e finalmente jogou fora o cigarro, mas ainda conseguia sentir o cheiro.

- Você parou de falar e não ouvir o som da sua voz falando sobre tudo é bem assustador, sabia? - ele disse.

- Eu ficaria grata no seu lugar quando eu calasse a boca, não reclamaria. - falei.

- Você tem a tendência de se menosprezar tanto, Ramona. - senti seu olhar em mim. - E você tem uma visão tão errada de si mesma.

- Tenho a visão certa de mim mesma, sim - olhei pra ele e apontei pra minha cabeça. - Eu convivo comigo mesma e com os meus pensamentos, sei o que eu sou. Você vê o que quer ver de mim, as partes boas, e eu não tenho o mesmo privilégio.

Apollo olhou para a chuva, que ficava cada vez mais forte.

- Às vezes, Ramona, ninguém se conhece de verdade. Já parou pra pensar, que talvez, você esteja ignorando todas as coisas boas em você? - ele disse, sem olhar pra mim. - Você perde tempo demais focando nas coisas ruins.

E lá estava eu, sem palavras. Não consegui formular uma frase se quer depois do que Apollo disse, apenas encarei o piso molhado.

- Não gosto do seu silêncio. - ele disse, depois de um tempo.

- Então, temos alguma coisa em comum, porque eu odeio o seu. - respondi.

- Acho que temos mais do que isso em comum. - ele deu de ombros.

Depois de um tempo, percebi que Apollo gostava de falar meias palavras. Sempre deixava algo subentendido, pra que eu tirasse as minhas próprias conclusões.

Depois que a chuva passou, pude ir pra casa. Apollo seguiu o caminho dele e eu o meu.

Fui pensando no que ele tinha dito, sobre eu ignorar as coisas boas. Isso me lembrou o conceito de "carpe diem", que significa, "aproveite o dia". Eu nunca aproveito nada. Acordo com a sensação de que é mais um dia ruim, vou empurrando a minha vida com a barriga e os dias vão se arrastando, cada vez mais devagar.

Tudo o que escrevo, tudo o que faço parece tão inferior ao que todos à minha volta fazem. Sempre foi assim. E agora, começo a me perguntar se não sou eu mesma que diminuo o que crio, se não sou eu mesma que me coloco pra baixo.

Você não pode aproveitar o dia se você se quer estiver vivendo.

- Carpe diem, Ramona, carpe diem. - repeti pra mim mesma inúmeras vezes, enquanto caminhava de volta pra casa.

*****

Enquanto eu fazia anotações sobre as aulas de hoje, minha mãe entrou no meu quarto e se sentou na minha cama.

- O que houve? - perguntei, me virando para encará-la.

- Você é feliz, querida? - ela me perguntou, repentinamente. - Eu sei que parece estranho eu perguntar isso do nada, mas sei que você não vai fugir da resposta como Alexa fez.

- Por que está perguntando isso, mamãe? É claro que sou feliz. - menti. Minha mãe sabe sobre as minhas doenças, mas acredita que os remédios estão dando conta e que eu estou curada, porque parei de ir pra terapia. E é bom não preocupa-la depois de dois anos sofridos.

- Você seria mais feliz se seu pai estivesse aqui? - ela perguntou, ignorando a minha pergunta.

Falar no papai doía, principalmente quando mamãe trazia o assunto à tona. Ela sempre acabava falando mal dele e Alexa se juntava, eu sempre ouvia. Eu sempre só ouvi.

Nunca consegui falar, essa é a verdade.

- Nem lembro de como era ter os dois em casa, mãe, não importa de verdade. - dei um sorriso gentil. - Eu tenho você, Alexa e temos nossos tios. É o suficiente.

Mamãe sorriu e eu soube que disse o que ela queria ouvir, e agora, ela estava satisfeita.

- Tudo bem, querida, vou deixar você sozinha. Boa noite. - ela beijou o topo da minha cabeça e saiu do quarto.

Disse tudo o que ela queria, mas não disse metade do que eu realmente sentia. E acho que esse é um ciclo infinito.

Nunca digo o que sinto pra ninguém, porque meus sentimentos nunca vem em primeiro lugar.

Me pergunto se as pessoas me colocam em primeiro lugar, da forma que eu as coloco e a dúvida me matava.

Suspirei e voltei a escrever sobre organelas.

sorry.Onde histórias criam vida. Descubra agora