Capítulo 3

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Meu olhar ainda estava parado em um ponto qualquer sobre a mesa e eu mal ouvia o que Devon dizia. Ainda tentava entender o olhar de Lorenzo para mim. E pior... além de não ter certeza do que significava, eu não entendia o motivo. Não poderia ser por eu ter recusado seu convite para jantar! 

—Não finja que não está me ouvindo, Sherrie.

Voltei minha atenção para a mão de Devon que se fechou sobre a minha e só então o encarei.

—Não estou fingindo. Eu realmente não ouvi uma palavra do que disse. E sabe por que? Porque nada do que disser vai mudar meu pensamento. É minha última palavra.

—Sherrie... por que isso? É por causa do que houve entre nós?

Eu puxei minha mão imediatamente enquanto meu olhar congelava sobre ele. Houve uma época em que estupidamente acreditei que Devon estava apaixonado por mim assim como eu estava por ele. Felizmente não chegou a acontecer nada entre nós além de beijos. Por sorte, antes que eu caísse na besteira de me entregar a ele, eu descobri —como Victoria costuma dizer — que Devon passava o rodo geral enquanto mantínhamos um namoro escondido do meu pai.

Eu que sempre confiei mais em minha prima do que nele, não pensei duas vezes antes de planejar o flagrante. Não senti nada ao vê-lo na cama com a amiga de faculdade, exceto nojo. Não briguei, não fiz cena de ciúme, tampouco derramei uma lágrima. Percebi que nada do que vivi era verdadeiro, portanto não havia motivo para lágrimas.

Olhando para trás hoje, eu ainda não entendo o que me levou a pensar que estivesse apaixonada por ele. Seu jeito de malandro mulherengo não enganava ninguém. Provavelmente, tão interesseiro quanto a mãe, já pensava em uma forma de me ludibriar para ficar até mesmo com minha parte na herança. A herança que foi dizimada por aquela mulher escrota e perdulária que levou meu pai à ruína. Por muito pouco não perdemos tudo o que tínhamos. O que restou era muito pouco perto de tudo o que meu pai conquistou com tanto esforço.

—E o que houve entre nós, Devon? Alguns beijos sem graça, uns encontros fortuitos que até mesmo os que tive no ensino médio conseguiram ser melhores. Ponha uma coisa nessa merda dessa sua cabeça. Eu posso ter me afastado do meu pai sim e você sabe o motivo. Não se finja de bobo comigo. Mas eu o amava e respeitava acima de tudo. E por isso mesmo vou seguir à risca o que ele especificou no testamento. E se você não quer metade da empresa é muito simples... venda sua parte para mim.

—Nunca. Eu não farei isso. Sherrie... você nem gosta daquilo. Está fazendo isso apenas de birra.

Eu suspirei cansada e desviei meus olhos, olhando sem interesse ao redor apenas para ser surpreendida pelo olhar intenso de Lorenzo sobre mim. Por instantes eu tinha até me esquecido de sua presença naquele restaurante. Eu sustentei seu olhar, percebendo seu maxilar tenso. Engoli seco dizendo a mim mesma que eu precisava cortar aquela conexão, mas eu simplesmente não conseguia. Parecia um ímã me prendendo a ele.

Eu comecei a me sentir desconfortável, a palma das mãos ficou úmida e uma onda de calor que não sei de onde surgiu me atingiu.

—Sherrie! Por Deus!

Foi o suficiente para me tirar daquela espécie de transe. Ainda mais irritada não só com a insistência de Devon, mas também com o olhar insistente de Lorenzo.

—Terminamos por aqui. Por favor, não me incomode mais com esse assunto.

—Sherrie, espere...

Mas eu me levantei e peguei minha bolsa, me afastando da mesa, mas sem olhar para a Lorenzo e Victoria enquanto saía do restaurante. Eu ouvi a voz de Devon me chamando, mas felizmente eu merecia um pouco de sorte nessa noite insuportável. Eu fiz um sinal para um táxi que se aproximava, entrando rapidamente assim que ele parou. Eu ainda vi Devon parado à porta do restaurante enquanto o táxi seguia pelas ruas iluminadas de Salsack. Fechei meus olhos e encostei a cabeça na janela do carro, deixando minha mente vagar para  anos atrás quando éramos apenas meu pai e eu. 

Enganos - Degustação -Estreia 01/04/2018Onde histórias criam vida. Descubra agora