Capítulo 1

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     Num acampamento cigano, estacionados um ao lado do outro, os carroções formavam um círculo, e no centro desse círculo uma fogueira iluminava a noite daqueles nômades, que de vez em quando paravam próximo a uma cidade a fim de ali ganharem o seu sustento. Naquela noite, enquanto alguns homens tocavam guitarras, cantavam, e as mulheres dançavam ao som de suas melodias, em um dos carroções, tendo seus lamentos abafados pela cantoria, uma mulher dava a luz em meio a muito sofrimento. Nasceu-lhe uma menina, mas a mãe não conseguiu sobreviver.

     Ao ver sua mulher morta, o cigano mandou que tirassem a criança dali e chorou sobre o seu cadáver. No dia seguinte, após cavar uma profunda cova, ele depositou o corpo da mulher e todos os seus pertences, cobrindo tudo com a terra retirada. Em seguida partiu sem sequer conhecer a filha.

     Foi assim que aquele bebê, batizado com o nome de Sara pelas matronas da tribo, foi deixada neste mundo: Órfã de mãe e abandonada pelo pai, que nem sequer lhe deixou algum dos pertences da mãe como lembrança.

     Sara cresceu junto das outras crianças que ficavam aos cuidados das matronas. A menina adorava brincar nas margens do rio em cujas proximidades os nômades acampavam. Quando uma das matronas a vinha procurar para o banho e o jantar, é que ela percebia que as outras crianças já estavam com suas mães. Sara não tinha uma mãe. Tinha pelo menos dez.

     Sara fugia dos homens que a surravam por qualquer motivo, mas ficava olhando-os de longe à procura daquele que poderia ser seu pai. Sua mãe, ela sabia, estava morta, mas seu pai estava vivo, todos diziam.

     Um dia Sara notou um homem bem mais velho e passou a segui-lo. Tinha completado três anos e não entendia nada da vida. Gostou daquele homem -ele não batia nas crianças- e continuou seguindo seus passos. Viu que o carroção dele era o mais bonito e quis morar ali. Decidida, ela entrou sorrateiramente, mas foi surpreendida por uma mulher que lhe berrou aos ouvidos:

     _Quem te deu ordem de entrar aqui, pirralha?

     Sara tremeu da cabeça aos pés. Foi então que o homem que ela costumava seguir, aproximou-se, tomou-a em seus braços e lhe perguntou:

     _Como é o teu nome?

     _Sala.

     _E o nome de tua mãe?

     _Eu num tem mãe...

     _Olha Dolores, é uma órfã perdida. _ele falou para a mulher.

     _Devia estar com Conceição ou com as outras, não aqui. _a mulher respondeu.

     _Onde está a tia Conceição? _ele perguntou para a menina.

     _Pucuando eu.

     _Então vá ao seu encontro, senão tu vais apanhar.

     _Tu é mo pai?

    _Não; sou o chefe Pablo.

     _I mo pai?

     _Foi embora daqui.

     _Intom eu num tenhu ninhum pai? _perguntou a menina chorando.

     _Não; ele não quis ficar contigo. Vá procurar tia Conceição antes que ela fique brava.

     A menina saiu do carroção chorando e ao encontrar Conceição abriu-lhe os braços. A cigana a pegou no colo perguntando:

     _Por que estás chorando, Sarita? Quem foi que te bateu?

     _Eu num panhô... Donde tá mo pai, tia?

     _Foi embora Sarita. Ele te deu pra nós criarmos.

SANGUE CIGANO.Where stories live. Discover now