Capítulo Final

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     No dia seguinte eles foram procurar a mulher que já os esperava. Sara cortou os cabelos abaixo dos ombros, pintou-os e fez luzes, o que a deixou muito mais bonita. Depois cuidou das unhas e recebeu instruções de como se maquiar. Em Paco, por ser novo e não ter barba espessa, o barbeiro fez o que pôde, ensinando-o a deixa-la crescer daquele jeito. Também fez um corte moderno e tratou das unhas.

     Como não tinham documentos, a mulher, que não quis se identificar, os levou ao cartório de um amigo que lhes fez todos os documentos como se fosse uma segunda via. Nos documentos constava que eles eram naturais de Goiana. Os nomes dos pais eram: Pedro e Conceição Lima. Paco passou a chamar-se Pedro Lima Junior e Sara não quis mudar, assinou Sara Lima. Quanto custou tudo isso? Eles nunca souberam, pois a mulher pagou tudo.

     Depois de comprar-lhes algumas roupas de banho, a benfeitora os levou para sua casa onde cobrou o que havia pedido: uma tarde de prazer. Após saciar-se, ela mandou o motorista leva-los ao hotel para que pegassem suas coisas, e depois à rodoviária, onde eles tomariam o ônibus para Ipanema. Desejando-lhes boa sorte, ela deu-lhes o nome do hotel onde deveriam se hospedar, prometendo ir visita-los sempre que pudesse.

     E foi assim que Paco e Sara se mudaram para a cidade praiana e se hospedaram no hotel recomendado. Para conhecer o ambiente em que viviam, eles começaram a frequentar barzinhos onde despertaram a curiosidade dos frequentadores habituais. Quem seria aquela bonita mulher? De onde viera aquele bonito e másculo rapaz? Quando a abordavam, Sara se fazia muito triste, queixando-se da doença incurável da mãe, hospitalizada, que ela e o irmão tinham que cuidar. Paco fazia o mesmo: passavam o dia no hospital, dizia, e por isso ambos haviam largado os estudos. Frequentavam bares para tentar se livrar da tristeza que os estava consumindo, ele lamentava-se. Logo apareceram "clientes" querendo ajudar e eles, sempre muito tristes, aceitavam a ajuda financeira em troca de um "programa".

     Durante um ano viveram assim. No princípio tomavam apenas um drink ou dois, mas devido à tristeza que aparentavam, um dos "clientes" ofereceu a Sara um comprimido que ia ajuda-la a relaxar, segundo ele. Depois vieram outras drogas e ela, gostando da sensação de euforia, aceitava tudo o que lhe davam. Paco também aceitou comprimido, injeção, pó milagroso para cheirar e ficar livre das preocupações, e foi assim que ambos caíram na armadilha das drogas.

     Paco não se ofereceu como ourives; Sara não procurou emprego como bordadeira. Muito bem vestidos, tratados com frequência num salão de beleza, ambos pareciam modelos que só queriam se divertir. Quem estivesse disposto a pagar o estipulado ganhava sua companhia.

     O tempo foi passando e eles, fazendo costumeiramente mais de um "programa" por noite, foram aprendendo com os "clientes" a usar todo tipo de drogas e isso os foi destruindo aos poucos. Amanheciam na praia e para continuar a consumir a droga que os mantinha despertos, ali mesmo aceitavam fazer mais um programa.

    Dez anos se passaram nesse viver insano e sem que ambos percebessem, a bebida e as drogas foram lhes tirando o brilho dos olhos, o viço da pele e a beleza dos cabelos, fazendo com que eles entrassem em plena decadência. A procura diminuiu sensivelmente obrigando-os a diminuir o preço, até que tiveram que fazer "ponto" disputando com as "outras" o lugar que era delas. Houve muita briga até que eles se dispusessem a pagar, como todos ali, por um lugar onde pudessem transitar. Ficavam andando de um lado para o outro, recostando-se num poste para descansar, e no fim da noite tinham conseguido o mínimo para a sobrevivência.

     Foi então que Paco resolveu deixar as drogas e voltar a oferecer-se como jardineiro, levando Sara para que ela oferecesse seus serviços como doméstica. Após andar uma semana inteirinha sem nada conseguir, voltaram ao ponto e aos bares onde algum bebum pagava uma bebida para Sara em troca de seus favores. Paco era quem sustentava os dois, pois muitos homens enrustidos o procuravam para satisfazer seus torpes desejos. Eram homens de grande influência, todos a clamar pela moral e os bons costumes, homofóbicos ferrenhos, mas que não dispensavam os "serviços" de um másculo homem, pagando muito bem seus favores.

     Viveram assim durante algum tempo, livres das drogas, mas decaindo cada vez mais, até que um dia eles se mudaram para um hotel perto do cais do porto onde as prostitutas poderiam levar seus homens para o quarto, desde que pagassem uma taxa e os fizessem beber muito. Sara estava se saindo bem. Com seus fortes músculos Paco afugentou o "dono" do pedaço, que tirava o dinheiro das prostitutas, e as deixou trabalhar livremente, ainda as socorrendo quando alguém as maltratava. Era só gritar por ele, que o sujeito saía rolando escada abaixo.

     Um dia, ao afugentar um malandro que estava batendo em uma delas, Paco teve uma surpresa. O malandro voltou armado e lhe deu cinco tiros à queima roupa. Sara estava atendendo um freguês quando ouviu os tiros e a gritaria. Com um aperto no peito ela desceu as escadas correndo e viu Paco estirado no chão. Segurando sua cabeça, Sara gritou com toda a força de seus pulmões:

     _PAAAAACOOOOOOO!

     Paco abriu os olhos e faleceu em seus braços.

     Sem o amor de sua vida para ampará-la, Sara foi decaindo, decaindo, até que um dia, completamente embriagada, agarrou-se com outra prostituta disputando um "freguês". Diante da ferocidade da cigana, que parecia querer arrancar os olhos de sua rival, a polícia foi chamada. Sara foi algemada e colocada nos fundos da viatura que a levou para o Distrito Policial.

     Os guardas a jogaram numa cela e a deixaram lá. Passado algum tempo um deles, olhando para os outros, perguntou:

     _Cadê o delegado?

     _Foi pra casa, o folgado... _respondeu o substituto.

     _E a garota aí, heim?

     _O que é que tem?

     _Que tal brincarmos um pouco com ela?

     _Tá doido, cara? Tu não viste o que ela fez com a outra?

     _Já amansou; tá que nem se aguenta em pé. _continuou o guarda.

     _ Se quiser vai lá, eu não vou. _afirmou o substituto.

     _Nem eu. _falou um dos companheiros.

     _Eu topo; vamos lá. _ concordou outro guarda.

     E eles foram "brincar" com Sara. Depois de usarem e abusarem dela de todas as maneiras sádicas possíveis, ainda não satisfeitos, enquanto um a empalava com o cabo de uma vassoura, o outro usava o cano do revolver para dilacerar sua vagina. Sara já não tinha forças para gritar. Sentindo-se toda estraçalhada por dentro, ela apenas gemia baixinho.

     Na manhã seguinte, o delegado de plantão ao passar em revista as celas, viu sangue escorrendo daquela mulher e perguntou:

     _O que está acontecendo aqui?

     _Briga no cais delegado. Essa aí estava em cima da outra e nós só trouxemos ela senão a briga ia continuar aqui dentro.

     Desconfiando que aquele serviço foi feito por seus subordinados, o delegado mandou abrir a porta, entrou, abaixou-se, e ao notar que ela ainda respirava, ordenou:

     _Chamem uma ambulância, seus pervertidos; precisavam fazer isso com ela? Andem logo que eu não quero óbito no meu plantão.

     Sara chegou ao pronto socorro entre a vida e a morte. Após examiná-la, o médico plantonista comentou com a enfermeira:

     _Não há o que fazer. A vagina foi estraçalhada e o intestino perfurado; a essa altura a peritonite já tomou conta. Vamos aplicar morfina para ajuda-la a suportar a dor.

     Foi quando eles ouviram, delirando, ela falar baixinho:

     _Não chefe, eu não quero ser sua esposa... Eu queria ser sua filhinha... Está machucando, está doendo muito...

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⏰ Last updated: Apr 15, 2018 ⏰

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SANGUE CIGANO.Where stories live. Discover now