Capítulo 4

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     O tempo foi passando seguindo-se a mesma rotina, até que um dia Sara encontrou um par de olhos verdes olhando insistentemente em sua direção, e o reconheceu imediatamente. Era o garoto quase morto de fome que um dia Carmem trouxe para a tribo. Olhou-o com curiosidade e notou: Aquele menino se transformou num belo rapaz! Rosto anguloso, moreno, com os olhos verdes a iluminá-lo e um belo sorriso a enfeita-lo... Músculos salientes, peito largo, indicando ter se exercitado bastante... Quantos anos ele teria agora? Se ela estava com dezesseis, ele deveria estar com dezoito anos, deduziu. Seu coração bateu mais forte quando ele, disfarçadamente, lhe sorriu; sentindo-se incomodada, Sara virou-se para ensinar uma garota que estava ao lado.

     Desse dia em diante Sara não teve mais sossego. Era só o seu olhar encontrar-se com os do jovem para que ela se desconcentrasse, para que ficasse nervosa. Conceição notou e tremeu. Seu neto não! O filho do Pedro não merecia ter uma morte tão violenta, como era o que acontecia com quem desrespeitasse a mulher do chefe. Dizendo estar com problemas, ela a chamou:

     _Senhora Sara, estou precisando dos seus préstimos. Poderia me ajudar?

     _Sim Conceição; de que se trata?

     _Poderia fazer o favor de vir ao meu carroção?

     Sara a acompanhou e pela primeira vez viu aquela mulher, que ela considerava a mais forte de todas, chorar. Assustada, Sara a abraçou perguntando:

     _O que aconteceu, tia? Por que esse desespero?

     _Ô minha filhinha, percebeste o que estás fazendo?

     _O que, tia?

     _Eu tenho te visto trocando olhares com o Paco, o rapaz que acolhemos quando menino...

     _É verdade tia. Acho que me apaixonei por ele, mas sei que meu lugar é ao lado de Pablo; não vou prejudicar o rapaz. Sei bem quais são as consequências de quem ousa olhar para a mulher do chefe, não quero que nada de ruim lhe aconteça.

     _Se eu notei filha, alguém mais deve ter notado. Cuidado Sara, pois mesmo que não tenhas feito nada, Pablo mandará te apedrejar até a morte. Procure ser mais carinhosa, exija mais atenção dele e lhe dê mais atenção quando estiverem a sós; não o deixe perceber que pensas em outro enquanto desfrutas seu carinho, pois se assim o fizeres, ele ficará desconfiado e passará a te vigiar.

     _Fale com Paco tia, explique isso a ele. Peça que ele se afaste de mim ou então eu não vou poder trabalhar junto com vocês, o que poderia gerar mais desconfianças.

     No dia seguinte, antes de sair para o trabalho na cidade, Conceição conversou com Paco e lhe expôs, sem rodeios, tudo o que estava acontecendo e qual era o castigo que a tribo costumava aplicar a quem ousasse olhar para a mulher do chefe com insistência, como ele o vinha fazendo. Primeiro a castração a sangue frio e depois a decapitação. Se fosse considerada culpada, mesmo que tudo não passasse de um simples olhar, a mulher seria apedrejada até a morte.

     Paco entendeu e deixando a arte da marcenaria, foi pedir ao chefe para lhe ensinar a arte da ourivesaria. Pablo o encaminhou ao José, também perito nessa arte, e de vez em quando ficava olhando o neto trabalhando com o tio sem que ambos soubessem do parentesco. Mas Paco não conseguia se controlar por muito tempo. Quando o mandavam cortar lenha para a fogueira, seus olhos imediatamente procuravam os de Sara, que dava um jeito de se virar para o lado a fim de evita-lo.

     Na época do calor era comum a grande maioria dormir do lado de fora do carroção, em esteiras que espalhavam ao redor da fogueira. Por ser o chefe Pablo tinha que manter certo recato, por isso Sara sentia-se muito acalorada. Certo dia, vendo que o marido dormia a sono solto, ela pegou uma toalha e foi banhar-se no rio. Tirou suas roupas, ficou um bom tempo dentro d'água e depois, enrolando-se na toalha, resolveu tirar um cochilo ali mesmo. Dentro do carroção o calor estava insuportável.

SANGUE CIGANO.Where stories live. Discover now