Desde aquele dia Sara nunca mais entrou no carroção do chefe. Foi iniciada na arte da dança muito cedo, revelando-se uma boa aluna, principalmente na sensualidade. Ela nem sabia o que isso significava, mas tia Sura ensinava e ela fazia tudo direitinho. Aos sete anos Sara passou a ser instruída, não só na leitura e escrita, mas também nas artes advinhatórias que as ciganas usam para atrair fregueses e através deles conseguir o seu sustento. Sara era uma menina esguia, pele bronzeada, cabelos compridos ondulados naturalmente, olhos castanhos claros sobressaindo em sua pele morena, fazendo crer que viria a ser uma bela cigana, como foi sua mãe.
Com tantos estudos e mais a dança em que ela procurava se esmerar, Sara não mais incomodou Pablo e ele começou a sentir sua falta. Somente de vez em quando ele a via passar com as outras crianças e recebia um lindo sorriso, sentindo-se envaidecido.
Sara completou nove anos e Sura, achando que ela estava preparada para competir com as outras garotas, todas ensinadas pelas mães, falou com Conceição. Esta lhe fez um belo vestido, ornou seu pescoço e braços com muitos colares e braceletes de contas, e na festa de Santa Sara ela fez sua apresentação. Ia competir com garotas de dez a quinze anos, mas Conceição, Sura e as outras matronas a incentivaram tanto, que ela não teve nenhum temor. Dançou tão bem que foi a mais aplaudida.
Logo a seguir viria a apresentação da dança sensual com a participação das garotas mais velhas e Sara também foi inscrita. Deixaram-na por último e isso, ao invés de fazê-la desistir, incentivou-a ainda mais. Olhando os erros alheios ela mentalmente ia corrigindo em si mesma os erros que pudesse vir a cometer. Quando chegou sua vez ela olhou para o chefe, que ocupava um lugar de honra, e dançou como uma dançarina profissional. Sempre sorrindo para ele, ela ainda teve a audácia de jogar-lhe o lenço, escandalizando os demais, principalmente Dolores, sua esposa. Quando terminou, Sara falou:
_Dancei para o senhor, chefe, por que meu pai não está aqui para eu dançar pra ele. Desculpe a ousadia.
Pablo sorriu. Não tinha nada a responder, mas desde aquele momento ele começou a cobiçar a menina.
As crianças foram recolhidas aos carroções, que haviam sido puxados para trás deixando mais espaço para as dançarinas, e a festa continuou com todos dançando e se embriagando com o vinho que corria solto. As guitarras só pararam no dia seguinte quando a claridade da manhã substituiu a claridade da fogueira.
Depois da dança que ofereceu ao chefe como se ele fosse seu pai, Sara nunca mais olhou para ele. Sempre entretida com as outras crianças e seus aprendizados, ela nem sequer o via, enquanto ele a cobiçava o tempo todo. Ao completar dez anos, Sara pediu à Conceição:
_Tia, eu quero aprender a fazer filtro do amor.
_Pra que, menina?
_A mãe da Carmenzita falou que ganha muito dinheiro vendendo eles.
_Ainda não tens idade para isso.
_Quando eu tiver a senhora me ensina?
_Vou te ensinar tudo o que sei Sarita, tenha calma. Venha ver como se joga o tarô; o verdadeiro tarô cigano.
_Vai jogar pra quem, tia?
_Pra ninguém; só vou te ensinar.
Nesse instante Carmem entrou no carroção com um menino.
_Encontrei esse garoto perdido na cidade, Conceição. É cigano, mas sua tribo partiu e ele ficou.
_Qual é o teu nome garoto, e como foi que te perdeste da tua tribo? _perguntou Conceição.
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SANGUE CIGANO.
Historia CortaSANGUE CIGANO: Em uma tribo cigana, órfã de mãe e abandonada pelo pai, Sara foi criada pelas matronas. Ainda menina ela conquistou o coração de Pablo, o velho chefe, e quando completou doze anos ele a raptou e a tomou para esposa, porém Paco, órfão...