VII
Deviam ser onze horas, quando o tílburi chegou a Laranjeiras.
Seixas embora não pensasse em ocultar-se, desejava para não despertar a curiosidade, que em casa se não apercebessem de sua volta. Mandou parar o tílburi a alguma distância, e subiu sem rumor a escada particular que levava a seus aposentos.
A porta do gabinete estava fechada interiormente, e ele esquecera essa manhã de levar a chave. Foi obrigado portanto a dar a volta pela saleta. Àquela hora Aurélia e D. Firmina costumavam estar no interior, passaria sem que o vissem.
Estranhou achar a porta da saleta cerrada, embora não fechada com o trinco; supôs que não estando presa ao rodapé pelo ferrolho, o vento a tivesse encostado.
Empurrou-a devagar e entrou, para estacar na soleira pálido e estupefato.
No sofá colocado ao longo da parede, que lhe ficava à esquerda, viu Aurélia sentada, e conversando de um modo animado e instante com Eduardo Abreu que ocupava a cadeira próxima, e tinha a cabeça baixa.
Erguendo os olhos sem animar-se a fitá-los na moça, deu o mancebo com o vulto transtornado de Seixas em pé na porta, a encará-lo; e levantou-se por um impulso irresistível.
Foi então que Aurélia avistou o marido, cuja presença imprevista e semblante demudado a perturbaram, mas rápido, quase imperceptivelmente. Com a segurança que tinha de si, prontamente recobrou-se.
- Pode entrar, Fernando! disse ela a sorrir.
- Não quero perturbá-los, respondeu Seixas desprendendo a custo a voz dos lábios secos.
- O negócio é urgente, tornou ela, mas pode bem suportar a demora de alguns minutos. Sente-se, Sr. Abreu!
Seixas dera alguns passos automaticamente pela sala adentro.
- Não foi hoje à repartição? perguntou Aurélia para disfarçar a confusão dos dois, o marido e o hóspede.
- Voltei à procura de um papel que me esqueceu. Com licença!
Seixas aproveitara o primeiro ensejo para fugir desse lugar, onde temia representar alguma cena ridícula ou medonha. Fazendo um cumprimento a esmo, retirou-se apressado na direção de seus aposentos.
Se até ali tinha necessidade de dinheiro, agora mais do que nunca. Foi direito à sua secretária; abriu a gaveta onde guardava os seus papéis antigos; espalhou-os pelo tapete de mistura com outros objetos, e encontrando afinal a cautela que procurava, saiu precipitadamente pela escada particular.
Parou na porta para deixar passar o Abreu que descia; quando o viu longe, meteu-se no tílburi e voltou à cidade.
Aurélia, logo que o marido retirou-se, estendeu a mão a Abreu dizendo-lhe:
- Não tem o direito de recusar, e espero que não me prive desta satisfação. Adeus, seja feliz.
O mancebo apertou comovido a mão gentil que lhe era oferecida com tanta sinceridade, e balbuciando expressões de reconhecimento, despediu-se.
Apenas ele desapareceu na escada, Aurélia dirigiu-se ao gabinete do marido. Bateu à porta, e chamou-o; não recebendo resposta, entrou. A primeira cousa que viu foi a gaveta da secretária escancarada, e a ruma de papéis atirada sobre o pavimento.
A moça certificou-se que Seixas não estava em casa; adivinhou que saíra pela escada particular cuja porta fechara levando a chave.
Lançando um olhar aos papéis esparsos e resistindo à ânsia de conhecer aquelas relíquias de um passado, que não lhe pertencia, encaminhava-se à porta para sair. Eis que descobriu entre maços de cartas, um trabalho de tapeçaria.
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Senhora ♥ José de Alencar ♥
RomanceCaí no Enem! Siga o meu perfil ♡ Senhora é um romance urbano do escritor brasileiro José Martiniano de Alencar, publicado em 1874, na forma de folhetim. É um dos últimos romances de Alencar, publicado três anos antes da morte do escritor. Da mesma...