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O mundo de Corinto sempre foi diurno demais para Yoongi. Era tudo muito creme, tudo muito amarelo-manteiga. Não era um planeta, assim como a terra das Fadas também não era. Era um canto, uma dobra de existência, uma folha do interminável livro do universo. E uma folha bem pequena.

Yoongi gostava do pequeno. De certo jeito, não deveria. Não era ele, com seus poderes da noite, filho do universo infinito? Mas ele gostava muito do finito. Do conforto dos limites, de contornos apertados, da familiaridade de tudo.

Corinto era inocente e confortável demais para a presença dele. Ele se sentia como uma mancha escorrendo corrupção para aquela pérola imaculada. "Corrompido" não era geralmente a palavra que se associava às Fadas, criaturas altivas, imortais além do ruim. Os próprios acreditavam nessa perfeição divina, e por isso, os outros povos concordavam. Mas Yoongi não era nem parte do povo das Fadas nem parte dos outros povos. Era mais fácil para ele, habitante dessa etnia não definida, liberto das algemas da vida em sociedade, ver a verdade.

Suas asas estavam retraídas e encolhidas magicamente em suas costas, escondidas pelo peso da túnica branca de lã que vestia, um figurino que combinava perfeitamente com a moda da capital na qual se infiltrava. Ninguém se importava muito com Corinto, uma dimensão sem poder, fosse político ou militar. Ninguém, além do próprio povo, se importava com a rainha. Existiam muitas dimensões insignificantes como aquela e Yoongi conhecia quase todas pessoalmente. Não havia ninguém mais em todos os universos que conhecesse tanto quanto ele.

No momento, ele estava camuflado nas sombras que uma chaminé oferecia, no telhado de um prédio. A frente dele, havia o palácio. Na sua visão, o prédio simples, idêntico a todos os outros da rua, não merecia esse nome, principalmente quando comparado com o esplendor daquele no qual morava. Foi muito fácil chegar até aquele telhado - no topo do parlamento - e seria tão fácil quanto chegar até os aposentos da rainha. Em seu mundo, algo assim era simplesmente impossível. Ali, tudo era muito fácil.

Os Corinteiros eram um povo grande, desengonçado e meio lerdo. Yoongi era uma fada: ágil, leve, inteligente. E ele também era um mago: poderoso, feroz, intimidante. Perfeito.

Então ele tirou sua camisa. Atrás dele, suas enormes asas se alongaram e ele quase soltou um gemido de alívio. Eram asas maiores que seu próprio corpo, asas tão fortes que poderiam carregar toneladas, que poderiam tapar o sol. Eram as asas dos anjos nos quais os humanos insistiam em acreditar, asas de penas macias tão brancas quanto a neve. E então, Yoongi se levantou no telhado, correu até a ponta e mergulhou. Os Corinteiros foram devagar demais para notar suas passagem, e provavelmente deduziriam mais tarde que foram nuvens que taparam o sol naquele momento. Talvez, nem pensassem sobre, tão rápido que ele voou. Suas asas bateram, poderosas o suficiente para criar ventanias, até que ele pousou na sacada do prédio a sua frente e elas relaxaram mais uma vez atrás de si. Não estavam inferiorizadas como antes, entretanto. Elas mantinham seu tamanho, suas pontas arrastando no chão.

A sacada em que pousou era bonita, assim como o resto do palácio era, de um jeito muito simples e modesto. Tudo ali era de um tom amarelo suave e branco. Era esse tom de amarelo que coloria as cortinas semi-transparentes que o separavam do quarto além da sacada e da doce música que era cantarolada ali dentro pela Rainha de Corinto, estupida o suficiente para insultar a Rainha das Fadas.

Yoongi não entendia o porquê. A rainha das Fadas era uma das, se não a, mais poderosas criaturas de todos os universos. Aquela monarca, cujo nome Yoongi nem sabia, não poderia achar que sairia ilesa. Não poderia achar que teria qualquer efeito além de trazer morte a si mesma.

- Entre logo - disse a voz. Diferente de seus súditos, a monarca de Corinto era um ser inteligente, talvez até demais para o próprio bem. Yoongi atravessou as cortinas. A mulher estava sentada em frente à um espelho, penteando o cabelo. Parecia em paz. Então, virou-se para ele e sorriu.

- Você cheira de flores feéricas e a sangue. Mas você não é uma fada. - sua voz era etérea e distante, como se envolta das névoas de um sono.

- Sou sim, Vossa Majestade - ele respondeu, com um sorriso charmoso que faria joelhos tremerem e corações derreterem se ele tivesse a quem mostrar - E vim lhe trazer a morte.

- Eu sei - ela respondeu - É engraçado, pois você parece o próprio deus da vida. Dizem que ele também tem asas da cor da neve e um corpo tão belo quanto uma escultura. Dizem que o cabelo dele tem a cor da luz e que que ele anda como se a fosse.

Ela levantou e seu roupão amarelo arrastou no chão enquanto andava na direção dele. A escova foi deixada em sua penteadeira. O roupão era simples, assim como o quarto. Simples e minimalista, mas ainda lembrava o próprio paraíso em sua serenidade. Incenso de baunilha queimava em vários lugares.

- Será que você não é um deus?

- Acho que não, Vossa Majestade.

- Aposto que a Rainha das Fadas não teria problema em tornar um deus seu servo.

Yoongi riu. Era uma pena ter que matá-la. Aquela mulher era muito interessante.

- Posso toca-las? - Ela continuou - Suas asas. Quero tocar as asas de um deus antes de morrer.

Tocar as asas de uma fada era a coisa mais íntima que existia em todos os universos. Yoongi não se importava. A rainha lhe forjou em um ser sem pudor e sem limites. Era por isso que estava ali, no papel de um assassino.

- Claro.

A Rainha De Corinto sorriu enquanto acariciava as penas brancas, apenas alguns centímetros entre os dois. O hálito dela tinha cheiro de baunilha. Ela sorriu como se soubesse, como se aceitasse. E assim, Yoongi, o Ceifador da Rainha, atravessou uma longa adaga negra por ela e o escarlate espirrou contra seu abdômen nu.

- Que a terra lhe abrace quando sua filha voltar a ela - ele disse. A oração mortuária dos feéricos. Não era apropriado usa-la com um estrangeiro, mas ele não se importava.

- Obrigada... - a mulher tossiu sangue. Sua mão ainda pousada nas penas. De longe, aquilo deveria parecer um abraço. Yoongi tirou sua adaga de dentro dela e com um estalo, a arma desapareceu no ar. - Obrigada por me deixar... tocar as asas de um... d...d...

Ela não terminou sua frase. Um grito soou lá fora. A morte da rainha deveria ter ressoado por toda a mente em colmeia daquele povo. Yoongi se permitiu olhar para aquele rosto sereno uma última vez. Que deus ele era, que trazia tanto sangue ao paraíso?

Aposto que a rainha das Fadas não teria problema em tornar um deus seu servo.

Quem era a fada que tomava as vidas e quem era a fada que ficava no palácio escolhendo louças, escrevendo poesia e tocando piano? A fada que estava em pé ali, suja de sangue e com um rosto calmo demais para alguém que encara um cadáver fresco, era um produto da rainha ou era apenas ele mesmo?

Ele pensava nisso sempre que derramava sangue. Mas continuava derramando. Porque ele era uma fada. E Fadas não tem nada contra devolver os filhos da terra a ela.

NIGHT WINGS | JJK+MYGOnde histórias criam vida. Descubra agora