Capítulo 6

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Mentira: armas causam muitos
acidentes caseiros e matam crianças
Há uma preocupação aparentemente justificada da mídia e dos legisladores
com as mortes acidentais de crianças e familiares por armas de fogo. A
preocupação em si é justificável, pois tudo o que puder ser feito para prevenir a
morte de inocentes deve com certeza ser objeto de nossa atenção. O que não
parece ser justificável é a escolha desse tipo de morte como alvo primário de
prevenção e engajamento político, já que tantas outras circunstâncias e fatores
sem nenhuma relação com as armas são responsáveis por um número muito
maior de mortes acidentais. Há alguns questionamentos importantes a serem
feitos, e que não têm sido perguntados por nenhum dos defensores do
desarmamento: Quais são as principais causas de mortes acidentais infantis?
Quais são as principais causas de mortes acidentais de adultos?
As armas possuem algum papel relevante nessas situações?
Se sim, o número de ocorrências e o risco inerente de sua propriedade são
compensados pelos seus benefícios?
Diante da omissão da mídia, dos legisladores e dos defensores do
desarmamento em abordar essas questões importantes, não poderíamos escrever
uma obra como esta sem respondê-las.
Mas afinal de contas, quais são as principais causas de mortes acidentais
infantis no Brasil? A ONG Criança Segura compilou os dados do Sistema de
Informações sobre Mortalidade – SIM – do Ministério da Saúde para os anos de
2003 a 2012 referentes às mortes acidentais de crianças de até 12 anos de idade,
obtendo os seguintes resultados:
1 ACIDENTES DE TRÂNSITO 39,7%
2 AFOGAMENTO 25,8%
3 SUFOCAMENTO 14,2%
4 OUTROS 6,5%
5 QUEIMADURAS 6,4%
6 QUEDAS 4,9%
7 INTOXICAÇÕES 1,8%
8 0,7%

ARMAS DE FOGO

Os dados acima são totais para os dez anos pesquisados, e sua distribuição anual
não tem relevância em nossa análise, pois as médias anuais de cada tipo de
acidente permanecem quase constantes para todos os anos pesquisados.[ 66 ]
Vemos claramente que a grande maioria das mortes por acidente são causadas
no trânsito, na água e por sufocamento. Das 52.838 crianças mortas
acidentalmente nesses dez anos, 80% ou 42.130 ficaram na conta dessas três
causas. Das três, a única que recebe alguma menção na mídia ou é alvo de
programas de conscientização do governo são os acidentes de trânsito, e mesmo
assim as campanhas dificilmente abordam o aspecto da mortalidade infantil. Fica
bastante claro, também, que de todas as causas de mortes acidentais presentes
nos dados do Ministério da Saúde, a mais incomum e menos ocorrente é a morte
acidental por armas de fogo. Antes que você pense que isso acontece justamente
porque no Brasil não há um número suficiente de armas de fogo nas casas das
pessoas, saiba que (1) apesar do Estatuto do Desarmamento e de todas as
dificuldades de um cidadão obter uma arma de fogo, ainda existe um número
estimado entre 10 e 16 milhões de armas nas mãos dos brasileiros, e (2) mesmo
em países com índices de armamento civil muito superiores, como os EUA, os
números das mortes acidentais infantis seguem o mesmo padrão mostrado aqui,
com as armas de fogo ocupando sempre os últimos lugares, em quantidades
inferiores a 2%.
O fato é que ninguém que diz ir à loja de materiais de construção para comprar
uma banheira escuta do amigo “Nossa, você vai comprar uma banheira? E se
acontecer um acidente em casa? Isso é um perigo!”. Ninguém lê nos noticiários
e nas mídias sociais sobre projetos de lei para proibir a venda de fósforos no país,
e nem campanhas em favor de que se obrigue os fabricantes de fogões a instalar
travas de segurança à prova de crianças. Tampouco se fala dos perigos das
quedas, e são pouquíssimas as crianças que saem andando de bicicleta
paramentadas da maneira correta para se evitar acidentes. No geral, as pessoas
se preocupam muito pouco com coisas que trazem muitos riscos e poucos
benefícios para seus filhos, mas quando o assunto são as armas, parece que há
um medo, um horror, como se o fato de se ter uma arma em casa significasse
uma possibilidade de quase 100% de um acidente.
Esse pensamento é devido, em grande parte, à falta completa de informação e
experiência sobre o assunto. Qualquer adulto que já armou uma pistola sabe que é quase impossível para uma criança pequena conseguir puxar o ferrolho e
carregar uma munição para disparo. Muitos adultos não conseguem fazê-lo, que
dirão as crianças. Uma outra impressão errada diz respeito ao disparo acidental –
muitas pessoas acham que se uma arma cai no chão ela quase que certamente
disparará, e isso não é verdade. Ainda usando o caso da pistola como exemplo, se
ela não estiver pronta para atirar, ou seja, se o ferrolho não tiver sido puxado, a
chance de que ocorra um disparo é praticamente nula. Isso tanto é verdade que
num país com 300 milhões de armas, como os EUA, o número de acidentes
infantis fatais com armas de fogo não passa de 30 por ano, ou 1 a cada 10
milhões. Nenhum eletrodoméstico presente em uma casa tem um índice de
segurança tão bom assim. Um liquidificador pode ser mais fatal do que uma
arma, assim como uma batedeira, um mixer ou uma torradeira, todos
geralmente à disposição das crianças que se aventurarem a subir numa cadeira e
abrir uma gaveta ou porta de armário na cozinha.
Devemos ainda levar em consideração as falsas comunicações de acidentes
que visam acobertar homicídios e suicídios. Repare como são relativamente
freqüentes os disparos “acidentais” entre adolescentes que atingem
certeiramente a cabeça da vítima, e não raramente tais ocorrências acontecem
entre “crianças” já envolvidas em atos criminais.
Resumindo nossa resposta à primeira pergunta, as três principais causas de
mortes acidentais de crianças são os acidentes de trânsito, os afogamentos e os
sufocamentos. As armas são sempre a causa com menor incidência.
E quanto aos adultos? Será que as armas de fogo têm um papel importante em
suas mortes acidentais? Procurando os dados na mesma fonte – o Ministério da
Saúde, através do SIM – descobrimos que os dados sobre mortes por disparo
acidental de armas estão totalizados, e não há como obter apenas os números das
mortes ocorridas dentro das residências. Assim, o número obtido na busca
abrange todas as mortes por disparo acidental acontecidas nas residências, em
áreas escolares, em áreas de prática esportiva, em ruas e estradas, em áreas de
comércio e serviços, em áreas industriais e de construção e em fazendas. Desta
vez vamos usar os dados do ano de 2012, da população total do Brasil, para
maiores de 12 anos de idade:

Mentiram Para Mim Sobre o DesarmamentoOnde histórias criam vida. Descubra agora