Mentira: as armas precisam ser controladas
para facilitar a solução de crimes
Como você já deve ter percebido nos primeiros seis capítulos, toda a
argumentação dos defensores do desarmamento é baseada em distorções
grosseiras de fatos aparentemente coerentes. É a manipulação de conceitos de
forma a incutir nas pessoas uma sensação de verdade diante de uma afirmação
mentirosa. Este modus operandi não é uma exclusividade dos desarmamentistas,
mas uma prática comum entre “intelectuais”, políticos, jornalistas e outros
formadores de opinião de esquerda, estatólatras e coletivistas. Resumindo em
duas palavras: desonestidade intelectual.
Quando alguém diz que é preciso controlar as armas para facilitar a resolução
de crimes, o primeiro pensamento que vem a qualquer um que nunca tenha
estudado o assunto é: “Isso parece ser lógico; afinal, com mais controle será mais
fácil identificar os criminosos; e como eu não sou criminoso, não tenho nada a
perder.” Este é, no entanto, um pensamento bastante enganoso, por quatro
motivos: Ele abre portas para uma violação da liberdade individual, pois
sempre que o governo ganha poder para controlar algum aspecto de sua vida,
você perde um pouco de sua liberdade; Ele assume que há uma relação clara
entre mais controle e mais resolução de crimes, deixando de lado, como sempre,
os benefícios do uso defensivo das armas; Ele ignora o custo-benefício dos
controles, e o impacto que esse tipo de atividade causa às forças policiais; Ele
ignora os detalhes e estudos técnicos sobre balística, criando um paralelo falso
com as impressões digitais humanas.
Vamos detalhar cada um desses pontos e mostrar que o controle sobre as armas
é mais uma falácia dos defensores do desarmamento, que geralmente produz
resultados negativos, piorando os índices de criminalidade.
A primeira questão importante diz respeito à liberdade individual. Um governo
ideal seria aquele que preserva ao máximo as liberdades individuais em todas as
suas ações, e que trabalha sempre para mantê-las intactas, mesmo diante de
situações que poderiam ser resolvidas mais facilmente se alguma dessas
liberdades fosse suprimida. Não é preciso muito conhecimento sobre política
para perceber que os governos de esquerda são inerentemente contrários às
liberdades individuais, pois realizam todas as suas ações em nome do coletivo,
um mero eufemismo para camuflar seu apetite insaciável por poder – poder
sobre as pessoas, sobre os cidadãos – que no extremo leva ao totalitarismo.
Governos de direita, embora tendam a preservar muito mais as liberdades
individuais, também flertam freqüentemente com a busca por mais poder e mais
controle, já que essa é uma tendência muito forte da natureza humana, e
governos são formados justamente de pessoas, suscetíveis a essas ambições. A grande diferença entre os governos de esquerda e de direita é que na esquerda
busca-se uma estrutura constitucional e legal do país que permita níveis cada vez
maiores de controle sobre as pessoas, e na direita a busca é por uma estrutura
que aja como uma barreira aos desejos autoritários de quem estiver ocupando o
cargo máximo de liderança no momento.
O Brasil, infelizmente, é um país em que somos controlados desde o momento
em que nascemos. Somos um dos poucos países do mundo que registra as
impressões digitais de todos os cidadãos. Nosso documento de identificação, o
Registro Geral (RG), é emitido pelas Secretarias de Segurança Pública estaduais,
ou seja, pelas polícias, e no momento do registro todo cidadão brasileiro é
obrigado a deixar a impressão de cada um de seus dez dedos das mãos. A coisa é
tão comum que a maioria dos brasileiros não vê isso como uma violação de
direitos individuais, mas em democracias mais sérias os cidadãos não aceitam
ser catalogados como criminosos, pois nesses países somente quem tem ficha
criminal é que tem suas digitais coletadas. Muitos pensam que esse é o caso de
“quem não deve não teme”, não vendo problema algum nesse tipo de controle,
mas a questão aqui é mais fundamental. É uma questão de princípios, e o ditado
popular que melhor se aplica é “onde passa um boi, passa uma boiada.” Cada vez
que os cidadãos abrem mão de uma liberdade, estão criando um precedente para
a próxima ação de controle do aparato governamental.
Quando um governo defende o controle sobre as armas, está defendendo mais
controle sobre a vida dos cidadãos. Assim, como o cidadão comum não precisa
ter suas impressões digitais catalogadas desde criança, e catalogá-las é tratá-lo
como um potencial criminoso, a arma desse cidadão também não precisa ser
registrada e, mais do que isso, seu registro não faz nenhum sentido, já que os
criminosos não utilizam armas legalizadas quando cometem um crime. Um
criminoso não pode fazer nada quanto às suas digitais – se ele pudesse com
certeza as trocaria – mas utilizar uma arma sem registro, ou com número de
série raspado, ou contrabandeada de fora do país, é extremamente simples.
Como regra geral, todo controle imposto aos cidadãos atinge apenas os cidadãos
pacíficos, os obedientes à lei, que jamais cometeriam um crime; ou seja, os
controles são inúteis para a sociedade, e úteis apenas para os propósitos de poder
dos governantes.
O segundo ponto que elencamos diz respeito à associação imediata que se faz
entre o controle das armas e a diminuição dos crimes. Aqueles que defendem o
registro de todas as armas nas mãos dos cidadãos alegam que essa medida é
inerentemente positiva; afinal, um controle desses não tem como ser prejudicial,
já que só afeta os criminosos. Esse argumento, que na verdade está mais para
uma crença, ignora o efeito negativo dos controles e restrições sobre os índices
de propriedade de armas entre cidadãos de bem. Sempre que um controle é
imposto através de uma lei, a parcela da população que tende a cumprir essa lei é justamente aquela formada por cidadãos de bem. Esses cidadãos, diante de um
processo mais difícil e restritivo para se obter uma arma, acabam optando por
desistir da idéia, e dificilmente irão buscar uma arma no mercado negro, pois
temem as conseqüências legais de tal ato. Com menos armas nas mãos dos
cidadãos diminui o número de usos defensivos das armas, o que por sua vez
facilita o trabalho dos criminosos, que agora possuem armas numa proporção
maior do que antes. O efeito é cumulativo e tende a piorar conforme passam os
anos com os controles e restrições em vigência.
Ao mesmo tempo em que diminui a quantidade de armas nas mãos dos
cidadãos honestos, esses controles não facilitam a resolução de crimes, pois estes
são cometidos ou por indivíduos portando armas sem registro, ou portando armas
com registro roubadas. No primeiro caso não há como rastrear a origem da
arma, e no segundo caso esse rastreamento vai chegar no máximo ao antigo
dono da arma, que provavelmente terá um boletim de ocorrência em mãos
dizendo que a arma foi roubada e que, portanto, também não pode ser rastreada.
Há somente um caso em que o registro poderia ajudar na resolução de crimes:
no caso em que a pessoa resolver utilizar a arma registrada em seu nome ou no
nome de um familiar para cometer um crime. Esses casos, no entanto, são
raríssimos, e em países onde as estatísticas criminais são de confiança, não
chegam a 1% das ocorrências.[ 70 ] Já no Brasil temos uma dificuldade extrema
em obter esse tipo de informação. Em primeiro lugar, estima-se que apenas 10%
dos homicídios cometidos no Brasil sejam solucionados pela polícia.[ 71 ] Ora,
como confiar em qualquer tipo de estatística que represente apenas 10% do
universo total de ocorrências? Os estudos que existem sobre o assunto apontam
que mais de 80% dos crimes solucionados pela polícia são cometidos por
criminosos reincidentes,[ 72 ] e este número é provavelmente subdimensionado,
já que as fichas criminais no Brasil só são atualizadas depois que o criminoso é
condenado judicialmente, o que em muitos casos pode levar anos, devido aos
atrasos de nosso sistema judiciário. Some-se a isso o fato de os crimes por
motivos fúteis serem mais fáceis de esclarecer que os de outra natureza. Luiz
Afonso Santos, no livro Armas de Fogo, Cidadania e Banditismo,[ 73 ] esclarece
que “na investigação dos crimes por motivos fúteis, a polícia tem mais elementos
em mãos para trabalhar, por se tratarem de protagonistas, vítimas e autores com
relacionamento conhecido, quando as informações chegam com maior
facilidade”. O mesmo não acontece com os crimes que deixam de ser apurados,
e que por isso não chegam às estatísticas, devido à “falta total de informações
pelos mais diversos motivos”; o principal deles é o de que “são cometidos por
bandidos que, ou intimidam testemunhas, ou então fazem o serviço sem deixar
pistas.”
Nossa terceira questão, que é simplesmente ignorada pelos defensores do
desarmamento, é sobre o custo-benefício dos controles, no tocante ao uso da força policial. Sendo a polícia a responsável pelo registro das armas, como é o
caso do Brasil, é claro que há um certo número de policiais que têm que deixar
suas funções ostensivas para se dedicarem ao trabalho de registro das armas; a
outra opção é a contratação de outros agentes para isso, que também significa
deixar de contratar policiais para o trabalho de combate direto ao crime.
Na medida em que o registro das armas não traz benefício algum à solução de
crimes, empregar a força policial nesse tipo de trabalho é o mesmo que
desperdiçá-la, diminuindo o efetivo policial nas ruas e facilitando a vida dos
criminosos. Isso é especialmente verdadeiro no caso brasileiro, onde a segurança
pública sofre com contenções orçamentárias e falta de verbas. Em 2005, por
exemplo, um ano antes da onda de ataques da facção criminosa PCC em São
Paulo, o governo federal cortou substancialmente as verbas de segurança pública
repassadas aos estados – enquanto em 2004 foram R$ 380,8 milhões, em 2005
esse valor diminuiu para R$ 275,8 milhões, uma diferença de 28%.[ 74 ] O
sistema prisional enfrenta o mesmo problema: o governo estadual paulista
prometeu criar 37.370 vagas para presos entre os anos de 2008 e 2010, mas
apenas 3.104 foram abertas.[ 75 ] Como se pode ver, o dinheiro não está
sobrando quando o assunto é segurança pública, muito pelo contrário. Em se
tratando de dinheiro público, já seria um erro desperdiçá-lo numa atividade de
pouco ou nenhum retorno para a sociedade, como são os programas para registro
de armas legalizadas; muito mais quando esse recurso poderia ser investido em
políticas mais efetivas para a redução da criminalidade.
Aliás, por falar em controle, temos aqui mais um nefasto subproduto do
desarmamento no Brasil: milhões de cidadãos jogados na ilegalidade.
Atualmente, mais de 8 milhões de armas legais encontram-se irregulares. Em
2010 havia quase 9 milhões de armas de fogo com registro ativo. Já em 2014, o
número caiu drasticamente para cerca de 600 mil. Isso demonstra que, com o
passar dos anos, as pessoas deixaram de realizar as renovações periódicas
obrigatórias de suas armas, devido ao custo, ao excesso de burocracia, à falta de
estrutura da Polícia Federal e à desconfiança – justificada – no governo.
E, finalmente, abordaremos a quarta questão, que diz respeito a uma parte mais
técnica – a ciência balística. Amídia, o governo e mesmo os filmes e séries
policiais que vemos passam a impressão falsa de que uma arma é como uma
pessoa, e possui uma “impressão digital” única. Ocorre que, ao contrário de
nossos dedos, que conservam suas impressões por toda a nossa vida, a impressão
balística é algo que muda a cada disparo de uma arma.
Quando uma arma é disparada, a fricção entre o metal do projétil e o metal do
cano provoca marcas neste projétil, mas ao mesmo tempo modifica o cano da
arma, mesmo que minimamente. Assim, se pegarmos um projétil disparado por
uma determinada arma e efetuarmos uma centena de disparos (ou se, por
exemplo, essa arma sofrer qualquer tipo de corrosão no interior do seu cano), e pegarmos uma segunda amostra posterior, as marcas serão diferentes, e poderão
levar a resultados inconclusivos. A polícia brasileira, com sua taxa baixíssima de
resolução de crimes, mal consegue manter um registro atualizado das armas
com seus números de série, que dirá um registro atualizado das características de
cada arma de fogo registrada, como tentaram fazer os estados americanos de
Mary land e Nova Iorque. Esses dois estados criaram seus sistemas de registro de
impressão balística das armas legalizadas, gastaram alguns milhões de dólares
para colocar o programa em andamento, e mais um milhão por ano de
operação, para constatar, depois de dois anos, que nem um crime sequer foi
solucionado através do uso do sistema.[ 76 ] Mais uma prova de que o aumento
do controle sobre as armas só gera custos para o Estado, para o cidadão e para os
fabricantes de armas. Os únicos que não são penalizados são justamente os
criminosos.
Se fôssemos colocar as possíveis medidas para diminuir a criminalidade no
Brasil, o controle sobre as armas estaria, com certeza, fora da lista. Em vez de
tirar os meios de defesa própria dos cidadãos, o governo deveria reformar todo o
seu aparato de combate ao crime. Fica aqui uma lista de sugestões que surtiriam
efeitos imediatos e poderiam tirar o Brasil da incômoda posição, conquistada em
2014, de país com maior número absoluto de mortes violentas no mundo:
Reformar o sistema judiciário para garantir celeridade nos julgamentos e
impedir os subterfúgios legais que geram impunidade; Reformar o sistema
correcional, abolindo excrescências como os indultos e as visitas conjugais,
construindo vagas para abrigar toda a população carcerária do Brasil de forma
segura; Extinguir a figura da menoridade penal, que permite hoje que
criminosos saiam impunes depois de cometer crimes hediondos como
assassinatos, estupros e seqüestros, às vezes porque estão a alguns dias de
completar 18 anos de idade; Punir policiais corruptos e criar um plano de
carreira para os policiais honestos, baseado na meritocracia, e integrar as bases
de dados de todas as polícias do país para facilitar a identificação de criminosos;
Desenvolver as carreiras de perito criminal, atraindo profissionais de alta
capacitação técnica, e construir laboratórios de análise criminal com
capacidades tecnológicas modernas; Equipar a polícia com armamento que
faça frente ao dos criminosos, que chegam ao cúmulo de possuir artilharia
antiaérea própria de forças militares, e que são freqüentemente desviados das
forças de segurança de países como Bolívia, Venezuela e Paraguai;[ 77 ]
Reforçar todo o policiamento das fronteiras, por onde entram as armas
contrabandeadas.
Esta é uma lista não exaustiva, que mostra o quão longe estamos de possuir
uma força eficiente de combate ao crime. O diagnóstico não é apenas nosso,
mas de muitas pessoas com vasta experiência no assunto, como o ex-secretário Nacional de Segurança Pública, José Vicente da Silva Filho, que no passado
chegou a apoiar o desarmamento, mas que após se defrontar com a verdade
afirmou que “crime se combate com uma polícia honesta e bem-equipada, não
com o desarmamento da população.”[ 78 ] Enquanto as polícias estaduais muitas
vezes minguam por falta de recursos, o governo federal gasta a verba de
segurança para fortalecer a Força Nacional de Segurança Pública, uma espécie
de guarda pretoriana, que em nada ajuda no combate local da criminalidade. Além disso, desperdiça dinheiro público em iniciativas como a do referendo de
2005, que custou mais de R$ 600 milhões aos cofres públicos, e não serviu para
absolutamente nada além de mostrar como os governos de esquerda
desrespeitam a vontade do povo. O Apêndice 2 traz mais informações sobre essa
consulta popular, mas basta mencionarmos o resultado para que fique muito
claro como a vontade popular foi desrespeitada: 63,94% das pessoas que votaram
rejeitaram a proibição da venda de armas no país, ou seja, quase dois terços da
população. O recado foi claro e direto: os brasileiros não querem que ninguém os
proíba de ter armas, mas o governo insiste em ignorar esses dois terços. Isso é
uma afronta à democracia, um desrespeito à vontade popular. É tirania pura.“Aqueles que abrem mão de uma liberdade essencial por uma segurança
temporária não merecem nem liberdade e nem segurança”.
BENJAMIN FRANKLIN
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Mentiram Para Mim Sobre o Desarmamento
NonfiksiObra de Bene Barbosa sobre o Desarmamento no Brasil.