Capítulo 2

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Mentira: as armas matam


O primeiro assassinato documentado da história foi o de Abel, morto pelo


irmão Caim. A humanidade tinha então quatro pessoas, e uma delas já resolveu


tirar a vida de outra. Narrativas bíblicas à parte, desde que o homem começou a


registrar sua história, esses apontamentos incluem aquilo que chamamos hoje de


homicídio: o ato de dar fim à vida de uma outra pessoa. As leis modernas


diferenciam o homicídio intencional, muitas vezes chamado de doloso, do não


intencional, conhecido como culposo. Mas uma coisa é certa em qualquer lei, de


qualquer país: para que se configure um homicídio, é necessário que haja uma


ou mais pessoas agindo nesse sentido.


No Brasil de hoje, pelo menos sob a ótica da mídia, isso não é mais verdade.


Aqui já virou lugar comum dizer que as armas matam, como se não houvesse


uma pessoa por trás de cada uma das pistolas, revólveres, espingardas e fuzis que


são usados para causar parte das 60 mil mortes criminosas que o Brasil produz


todos os anos. Uma outra parte considerável dessas mortes são decorrentes do


uso de facas, bastões, pedras, carros e substâncias químicas, que nas mãos de


alguém com a devida intenção tornam-se tão letais quanto a mais poderosa das


armas de fogo. Aliás, quando se trata de crimes de oportunidade, ou seja, aqueles


que acontecem no calor da discussão, as armas mais usadas para matar não são


as de fogo, e sim as que estiverem à disposição - facas, tesouras, ferramentas,


bastões e outros objetos. De qualquer forma, a verdade incontestável é que


nenhuma arma, de nenhum tipo, mata por si só. Infelizmente, vivemos numa


época em que as responsabilidades individuais estão cada vez mais sendo


transferidas para entes desprovidos da capacidade de agir. Coisas como essas são


muito comuns de se ouvir ou ler: Ele está com câncer nos pulmões? A culpa é do


fabricante de cigarros.


Ela teve um ataque cardíaco por excesso de colesterol no sangue? A culpa é


das redes de lanchonetes.


Fulano bateu em alguém por causa de uma discussão de trânsito? A culpa é da


infância difícil que teve.


Sicrano está endividado, com o cheque especial e o cartão de crédito


estourados? A culpa é do banco, que ofereceu crédito fácil.


Beltrano atirou e matou alguém? A culpa é da arma.


A escolha de fumar, de comer gordura, de agredir, de gastar mais do que se


ganha ou de puxar o gatilho é individual e de responsabilidade intransferível.


Quando tentamos nos livrar de nossas responsabilidades, agimos como crianças,

Mentiram Para Mim Sobre o DesarmamentoOnde histórias criam vida. Descubra agora