Mentira: as armas matam
O primeiro assassinato documentado da história foi o de Abel, morto pelo
irmão Caim. A humanidade tinha então quatro pessoas, e uma delas já resolveu
tirar a vida de outra. Narrativas bíblicas à parte, desde que o homem começou a
registrar sua história, esses apontamentos incluem aquilo que chamamos hoje de
homicídio: o ato de dar fim à vida de uma outra pessoa. As leis modernas
diferenciam o homicídio intencional, muitas vezes chamado de doloso, do não
intencional, conhecido como culposo. Mas uma coisa é certa em qualquer lei, de
qualquer país: para que se configure um homicídio, é necessário que haja uma
ou mais pessoas agindo nesse sentido.
No Brasil de hoje, pelo menos sob a ótica da mídia, isso não é mais verdade.
Aqui já virou lugar comum dizer que as armas matam, como se não houvesse
uma pessoa por trás de cada uma das pistolas, revólveres, espingardas e fuzis que
são usados para causar parte das 60 mil mortes criminosas que o Brasil produz
todos os anos. Uma outra parte considerável dessas mortes são decorrentes do
uso de facas, bastões, pedras, carros e substâncias químicas, que nas mãos de
alguém com a devida intenção tornam-se tão letais quanto a mais poderosa das
armas de fogo. Aliás, quando se trata de crimes de oportunidade, ou seja, aqueles
que acontecem no calor da discussão, as armas mais usadas para matar não são
as de fogo, e sim as que estiverem à disposição - facas, tesouras, ferramentas,
bastões e outros objetos. De qualquer forma, a verdade incontestável é que
nenhuma arma, de nenhum tipo, mata por si só. Infelizmente, vivemos numa
época em que as responsabilidades individuais estão cada vez mais sendo
transferidas para entes desprovidos da capacidade de agir. Coisas como essas são
muito comuns de se ouvir ou ler: Ele está com câncer nos pulmões? A culpa é do
fabricante de cigarros.
Ela teve um ataque cardíaco por excesso de colesterol no sangue? A culpa é
das redes de lanchonetes.
Fulano bateu em alguém por causa de uma discussão de trânsito? A culpa é da
infância difícil que teve.
Sicrano está endividado, com o cheque especial e o cartão de crédito
estourados? A culpa é do banco, que ofereceu crédito fácil.
Beltrano atirou e matou alguém? A culpa é da arma.
A escolha de fumar, de comer gordura, de agredir, de gastar mais do que se
ganha ou de puxar o gatilho é individual e de responsabilidade intransferível.
Quando tentamos nos livrar de nossas responsabilidades, agimos como crianças,
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Mentiram Para Mim Sobre o Desarmamento
Non-FictionObra de Bene Barbosa sobre o Desarmamento no Brasil.