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Júlia

Acordei como sempre, morrendo de dores no corpo, dormir em cima de jornais é o que dá.

— Saul já tá colando aqui. — Diz Felipe chegando.

Saul! Odeio esse cara.

Se não fosse por aquele cara, eu nem sei o que poderia ter acontecido comigo.

— Já chegou o dia? — Pergunto pro Felipe.

— Não, eu não sei o que aconteceu que ele ta querendo antes, e ainda disse que você era a culpada. Posso saber porquê?

Droga!

— Não foi nada, a gente só teve um desentendimento na boate. — Digo não querendo contar o que realmente aconteceu.

Não sei o que Felipe faria se descobrisse o que Saul pretendia fazer comigo!

Felipe sempre foi um irmão superprotetor.
A gente vive na mão do Saul. Felipe vendia umas paradas pra ele e em troca Saul garantia nossa segurança e alimento.

Eu e meu irmão nunca soubemos o que é escola, morro de vontade de estudar.
Às vezes fico olhando as meninas de minha idade passando pra ir pra escola e tenho tanta vontade de ir também.

Nunca cheguei a conhecer meus pais, minha mãe morreu logo depois que nasci, e meu pai nem sei onde anda.
Então fomos criadas por uma vizinha que no tempo morava do lado da minha mãe.
Depois que Felipe conheceu Saul, que apareceu com essa proposta a gente saio de lá e então entramos nessa vida. Mas sem idéia de como ela seria difícil.

Eu só aceitei vir com ele porque víamos todos os dias a mulher que criou a gente chorando e passando todos os dias dificuldade pra criar nós dois e mais os três filhos dela.
Um dia quando eu mudar de vida, irei recompensa-la por todos os anos que ela deu de sua vida em troca da nossa.

— Chegou. — Fala Felipe me tirando do devaneio.

— Pegou a grana? — Pergunto.

— Peguei do que consegui vender.

Um pouco depois Saul entra com mais três caras.

— Cadê? — Diz diretamente me olhando.

— Aqui.

Felipe entrega à ele o que conseguiu.
Saul analisa o dinheiro e fala.

— Só isso parça? Tá de brincadeira com a minha cara? — Olha pra mim. — Passo daqui a 5 dias pra pegar o que falta, e se não tiver, se preparem...

— Mas... — Meu irmão tenta interrompe-lo, mas Saul o corta com um soco no estômago.

— Mas nada porra, agora vai ser assim. Culpa a sua irmãzinha. — Aponta pra mim.

Depois que eles saem fico do lado de Felipe chorando e pedindo desculpas.

— Júlia, do que ele ta falando?

— Não é nada, é só que... Eu confrontei ele na boate... Já falei...

— Ta errado Ju... Nunca vi ele desse jeito até parece que...

— Saul tentou abusar de mim... — Solto de uma vez.

— Ele o quê?

Droga, agora já foi.

— Mais não se preocupa, ele não conseguiu, apareceu um cara lá e me ajudou.

— Porra Ju, por isso que Saul tá assim, ele quer descontar na gente por isso. — Ele dá uma pausa e logo continua — Olha pra mim Júlia, a gente vai sair dessa tá legal?

Apenas afirmo com a cabeça.

— Vou ver se ele realmente foi embora, fica aqui.

Quando ele sai me jogo nos jornais e começo a chorar. Fico lá por um longo tempo até que escuto um barulho.

— Quem tá aí?

Imagino que é Saul, e agora quer dar o troco.

— Saul é você?

Então levanto e caminho até lá, me deparando com o cara causador de tudo isso.

— O que você tá fazendo aqui?

***

Aconteceu tudo muito rápido e nem notei quando Felipe chegou e começou a bater nele. Provavelmente ainda abalado com o que lhe falei. E depois disso,a única coisa que poderia fazer era ajudá-lo.

Tivemos uma longa conversa.
Mais que cara curioso.

Ainda quis me pagar, será que ele acha que eu quero o seu dinheiro?
Eu sei que preciso, mas não vou ficar me humilhando ou me vendendo pra qualquer um que aparecer. Já basta o Saul querer mandar na gente.

Mais mesmo assim ele deixou o dinheiro lá e foi embora.

Queria explicar tudo pra ele, ele me pareceu uma pessoa tão boa, me senti à vontade com sua companhia.
Nesse mundo que vivo sei muito bem separar as pessoas que querem me fazer mal. E ele não me mostrou isso, muito pelo contrário.

Nossa, nem notei que ainda tava com a jaqueta dele. Mas me senti tão confortável com ela. O cheiro dele está aqui.

Peguei o dinheiro depois que ele saiu e coloquei no bolso.
Logo que Felipe voltar irei contar pra ele.

— Júlia, vamos sair. — Felipe chega.

— Pra onde?

— Júnior vem pegar a gente pra ir numa quebrada ali.

— Quero te mostrar uma coisa. — Digo.

— O quê? — Pergunta curioso.

Tiro o dinheiro do bolso e mostro à ele.
Ele fica olhando incrédulo e sem palavras. Mas depois de um tempo ele fala.

— Júlia não acredito... Você roubou esse dinheiro! Caraca Júlia, a gente faz umas paradas erradas, mas não rouba entendeu!!?— Fala me fazendo ficar surpresa.

— Não Felipe, claro que não. Nunca roubaria ninguém... Ta maluco!?

— Então da onde veio isso?

— Aquele homem que você bateu, ele me deu...

— Júlia, nesse mundo ninguém da nada pra ninguém... Sempre querem alguma coisa em troca, agora me promete que nunca mais vai voltar a ver aquele cara. — Fico calada. — Júlia, me promete caramba...

— Tá bom Felipe...

— Só quero o melhor pra gente, é perigoso entendeu? — Faz uma pausa, já que eu não respondi ele continua. — Se Saul descobrir ele acaba com nós dois.

Afirmo com a cabeça. Ele põe uma outra blusa e depois fala me abraçando.

— A gente pode comer aquilo que você tanto queria aquele dia. — Isso me anima.

Há poucos dias atrás passamos na frente de uma lanchonete e fiquei olhando um grupo de amigos comer um hambúrguer. Fiquei morrendo de vontade e falei pra ele, mas o que a gente come é só o que Saul leva, isso é, quando leva.

— Dá pra comprar? — Pergunto.

— Se dá? Dá pra comprar muitos. — Fala com um sorriso.

— Então vamos logo, tô morrendo de fome.

Aliás, sempre ando com fome, Saul demora trazer comida, acho que às vezes até esquece. Mas nós já nos acostumamos a ficar com fome que nosso corpo já nem pede.

Saímos bem rápido pra ninguém nos ver e fomos até a tal lanchonete. Ficava um pouco longe, e era bem chique.
Sentamos numa mesa e chamamos o cara que serve.

No Passo Da NoiteOnde histórias criam vida. Descubra agora