O Fim de Algo

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capítulo três

o fim de algo

Depois de ler aquilo, eu devo ter ficado com a pior expressão de idiota do mundo, porque Sehun riu enquanto olhava para o meu rosto.

Quando ele virou de costas, eu tropecei pra fora do banquinho e corri para a escada, achando que seria melhor sumir dali em vez de aturar aquela provocação. Enquanto subia os degraus de dois em dois, tentando não cair no chão escorregadio, eu passava as mãos pelo meu rosto, procurando indícios de que eu ainda dormia de boca aberta.

Para o meu horror, Sehun não estava brincando.

Eu esqueci de escovar os dentes antes de descer, e bem... havia, sim, baba seca no canto da minha boca, e quando eu parei na frente do espelho, procurando como um desesperado pela minha escova de dentes, eu meio que já sabia que aquela seria uma das muitas coisas que eu nunca esqueceria.

Parece que, quando a situação é constrangedora, alguma força do mal dentro da sua cabeça te faz reviver ela sempre que você pensa em algo. Por exemplo, eu esquecia datas importantes, mas sempre lembraria do meu aniversário de doze anos, quando eu — totalmente ousado para a idade — decidi dormir pelado pela primeira vez e então, quando abri os olhos de manhã, minha família toda estava lá, com as câmeras apontadas pra mim e sorrisos animados pra caramba em seus rostos. E quando eu disse que queria dormir mais, minha mãe puxou a coberta.

Eu fiquei traumatizado e, desde então, sempre dormia vestido da cabeça aos pés.

Foi a coisa mais constrangedora que eu já vivi, depois do namorado do Junmyeon entrando no banheiro quando eu estava batendo uma no banho. Eu acho que ele não falou para o meu irmão, mas todas as vezes que ele ia jantar lá em casa e nós trocávamos olhares, eu sabia que, assim como eu, ele lembrava muito bem daquilo. Eu tinha treze anos e uma mãe que olhava meu histórico do computador, porque privacidade na nossa casa sempre foi uma coisa meio distante. Meus únicos momentos realmente íntimos eram debaixo do chuveiro, quando eu podia me masturbar em paz, ou na calada da noite, quando meu irmão pulava a janela pra ficar com o namorado e eu ia para o quarto dele mexer na sua estranha coleção da Hustler.

Não posso dizer que passei muita vergonha ao longo dos meus dezessete anos, mas eu sofri um pouco com as coisas que aconteciam, porque, se não era eu lembrando, eram meus pais e meu irmão trazendo tudo à tona. Nas vésperas do meu aniversário, mamãe aparecia no meu quarto pra ver se eu estava dormindo de roupa, e, no corredor, Junmyeon sempre dizia algo como "não esquece de colocar uma cueca, Baek" ou fazia alguma piada sem graça pra me irritar.

Em compensação, eu sempre ameaçava mostrar o tipo de literatura que ele curtia para os nossos pais, e aí ele calava a boca e me deixava em paz por uns quinze minutos. Com o tempo, porém, ele cresceu e eu mais ou menos. Dá para dizer que estamos tentando seguir os exemplos das pessoas maduras e bem-resolvidas que os nossos pais são. Mas tentar e conseguir são coisas bem diferentes.

Levei um susto que me fez engolir metade da espuma da pasta de dente quando reparei em Sehun parado na porta, porque ele estava segurando uma frigideira fumegante, onde a comida levantava um cheiro gostoso de coisa boa. Confesso que fiquei com um pouco de receio, porque quem diabos aparece num banheiro com uma frigideira? Mas ele apontou para ela com a cabeça, fazendo uma careta divertida, e eu concluí que não entendi absolutamente nada.

Terminei de escovar os dentes, tentei parecer mais relaxado e desci as escadas com ele, tentando espiar por cima do seu ombro o que tinha na panela, mas não estava dando muito certo. Quando chegamos à cozinha, eu olhei pela janela por uns dois segundos, e então levei mais um susto quando um chiado se fez presente. Sehun parecia tranquilo jogando água em cima da panela quente, e eu fiquei me perguntando se ele não sabia que aquilo, sei lá, estragava a coisa da aderência.

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