Cachecol Vermelho

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capítulo um

cachecol vermelho


Eu ainda lembro daquele dia.

O céu estava nublado — porque setembro estava chegando pra trazer as chuvas e instalar o frio na cidade —, e o ar dentro do veículo era gelado — porque o motorista não gostava de aquecedores, então nós sempre passávamos frio ao viajar com ele.

Eu buscava calor no cachecol vermelho ao redor do pescoço; presente de aniversário para o meu irmão, que eu furtei por saber que ele nunca usaria uma coisa horrível daquelas. Era feio, sim, bem esquisito e cheio de fiapos de lã pra todo lado, mas era vermelho brilhante e quentinho, e eu gostava dele. Sempre gostei de coisas esquisitas.

A viagem de carro não durou muito. Enquanto o veículo se deslocava, eu via as árvores altas e curvas dando lugar a uma vegetação mais baixa, e igualmente verde, que margeava a estrada e me fazia ter a certeza de que, se abrisse a janela, o cheiro seria o mesmo que o dos perfumes florais que os empregados espirravam pela casa.

As gotículas de chuva escorriam solitárias pelo vidro da janela, e eu ficava constrangido toda vez que olhava no espelho retrovisor, porque meus cabelos haviam sido tingidos de loiro — confesso que contra a minha vontade — recentemente, e cortados de um jeito que deixava minhas orelhas maiores e eu só conseguia pensar que eu parecia muito com uma criança para alguém de dezessete anos.

O carro finalmente parou, alguns minutos depois, em frente a uma construção modesta de madeira e pedra. Eu estava acostumado com as casas ridiculamente grandes das redondezas e do bairro onde eu morava, mas aquela ali, pequena apesar de ter dois andares e um telhado em V, de repente me pareceu bem mais bonita que as que eu havia visto a vida inteira. Não por ser simples, mas porque ela realmente era bonita, a madeira num tom escuro e as luzes amareladas e fracas lá dentro emanando a sensação de ser um lugar confortável pra passar as férias.

Eu não esperei o motorista rabugento abrir a porta para mim. Desci com minha mochila nos braços e os joelhos trêmulos, ainda me sentindo nervoso demais para alguém que já deveria ter se acostumado com a ideia de passar algum tempo longe de casa.

O motorista abriu o porta-malas e me ajudou a tirar a bagagem de lá. Eu não havia trazido muita coisa comigo, porque minha mãe tinha mandado para ali o que era essencial para eu ficar confortável por toda a extensão da minha estadia, então era só uma mala de rodinhas e outra mochila com algumas coisas.

Não havia ninguém na porta para me receber, e como as marcas de pneus afundavam as pedrinhas do chão em frente à garagem, imaginei que meus tios tivessem saído. Mesmo assim, bati na porta, o vidro tremendo de leve sob a junta dos meus dedos. Ninguém se pronunciou, então eu simplesmente girei a maçaneta e entrei no hall.

Os tacos escuros do chão estalavam sob meus pés, e me lembro de pensar que seria um caos se eu sentisse fome à noite e quisesse atacar a geladeira, porque a cozinha era logo ao lado, e com todo aquele barulho a casa inteira acordaria antes de eu conseguir comer um biscoito.

— Olá? — Minha voz era meio trêmula de nervoso, e ecoava pela casa de um jeito esquisito, como se fosse abafada pela madeira.

Ainda nada.

Andando pelo corredor, em direção às escadas, levei um susto ao passar pelo vão que dava para a sala de estar e ver alguém sentado em um dos sofás. Fiquei constrangido de pensar que havia invadido a casa dos meus tios, que eu não via desde que era um bebê, mas depois fiquei corado de vergonha ao pensar que não era bem-vindo, para ter sido ignorado daquela forma.

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