Chuva de Setembro

1.4K 191 66
                                    

capítulo quatro

chuva de setembro


Antes da neve passar de minúsculos floquinhos para montes cobrindo as calçadas, eu lembro que choveu consideravelmente.

A semana que antecedeu a neve foi só de chuva: primeiro uma garoa fina, então passando a engrossar e se estender por mais tempo, e na sexta-feira as gotas pesadas faziam baques assustadores no vidro das janelas. Nós éramos praticamente obrigados a ficar dentro de casa, porque só de abrir a porta o vento já jogava respingos pesados contra nós e molhava tudo no hall de entrada.

Chanyeol veio na quarta-feira para ajudar Sehun com os estudos e depois foi embora, me mandando tomar conta dele, já que eu era o mais velho — e como ele tinha tanta certeza disso, eu não sei, mas imagino que Sehun tivesse simplesmente lhe dito. O professor também nos avisou que não poderia vir na sexta porque o mundo ia despencar nas nossas cabeças e ele não era louco o bastante pra comprar uma arca e fazer uma visitinha.

O jeito sarcástico de falar que ele adotava nunca me deixava saber se era sério ou não, e eu só concordei com tudo e tranquei a porta, como ele disse pra fazer. Não que alguém fosse invadir, mas os riscos eram grandes de a chuva intensificar e ela abrir sozinha. Eu fiquei meio horrorizado com isso, então, obviamente, tranquei a fechadura e, só por garantia, todos os outros cacarecos que serviam como tranca também.

Desde então, nós estávamos tendo dias tranquilos.

Diferente do que minha mãe costumava dizer, Sehun se parecia muito com um adolescente normal, o que só me fez pensar que é porque ele era um. Ele jogava videogame, comia porcarias, via filmes e ficava acordado até tarde, como qualquer outra pessoa. Ele só não fazia coisas especificamente relacionadas a audição, mas eram detalhes insignificantes perto do resto.

Minha mãe sempre falava sobre ele e meus tios como se eles fossem uma família reclusa, que largou a sociedade pra morar numa caverna, mas ela nunca dizia ou dava a entender que haviam motivos para eles serem assim, e de repente, quando eu finalmente conheci um dos assuntos constantes na nossa casa, ele é só um cara normal que faz coisas normais e sabe o que é fogo.

No começo, eu estava com um pouco de medo, porque achava que seria um Inferno, que ele muito provavelmente não gostaria de mim, que alguma coisa ruim aconteceria. Eu estava tentando ser o mais realista possível, mas com toda a influência das palavras dos meus pais na minha cabeça, eu praticamente esqueci que minha tia sempre foi educada e gentil, que meu tio era um homem sério na maior parte do tempo, mas que era carinhoso como qualquer pai deveria ser também. Esqueci que eles eram uma família normal, e esse foi o maior choque para mim: descobrir que, pelo menos na minha concepção, eles não pareciam ser nada do que eu ouvia dizer.

Minha tia tinha porta-retratos nas prateleiras da estante na sala, com fotos emolduradas dos três sorrindo para a câmera, de Minho com Sehun no colo quando ele era bebê, fotos onde eles faziam caretas e uma prateleira só com álbuns, enumerados em ordem crescente, de acordo com o crescimento de Sehun.

Eram uma família normal, e eles se amavam muito.

Não sei como eu consegui pensar que eles fossem divididos, e confesso que senti vergonha de mim mesmo por julgar tão mal. Afinal de contas, quem era eu ali, para saber qualquer coisa sobre meus tios ou sobre o relacionamento dos dois com o filho?

Eu estava bisbilhotando um dos álbuns de fotos — aquele que eu achei mais interessante, porque era a transição de Sehun para a pré-adolescência. Ele parecia pequeno em todas as fotografias, mas cresceu um pouco depois dos onze.

delicateOnde histórias criam vida. Descubra agora