Two

62 8 6
                                    

"What have I done? What horrid crime committed?
To me the worst of crimes—outliv'd my liking."
- Colley Cibber

- Laura Lawford

Minhas mãos eram hábeis e rápidas. Eu não tinha consciência  de que era capaz daquilo até aquele momento. A cada estilhaço de vidro que eu tirava do seu corpo você se contorcia em agonia, mesmo com todas as anestesias que eu havia te dado.

Eu ainda tremia, não havia superado aquele incidente. Não podia acreditar que você ainda estava vivo, se você tivesse morrido por minha causa eu não saberia o que fazer. Eu não podia deixar aquilo acontecer de novo.

  Eu sabia que a pior parte ainda estava por vir. Aquilo me deixou mais nervosa, eu não fazia ideia de como você reagiria. Mas eu simplesmente não podia parar sem ter a certeza de que nada havia sido deixado para trás. Eu não não podia errar de novo. Comecei a procurar por algum pedacinho de vidro que podia ter passado despercebido, foi quando você deu um urro de dor e nesse exato instante, eu olhei em seus olhos. Eu não deveria ter feito isso, pois foi nesse momento em que eu te vi de verdade. Sua parte mais vulnerável. Meu corpo todo se arrepiou, eu podia sentir sua agonia. E eu me sentia culpada por ela, mesmo sabendo que aquilo te livraria da sua dor.

- Me desculpa - minha voz saiu quase como um sussurro.

Senti uma onda de alívio percorrer meu corpo quando finalmente terminei. Minhas mãos estavam geladas, eu estava em pânico. Naquele momento comecei a questionar minha escolha pela medicina. Não sentia mais que havia nascido para aquilo. Eu estava sofrendo, não me sentia capaz de passar por aquilo até o fim da vida.

Chamei uma enfermeira para terminar de cuidar de você, eu precisava sair dali, precisava respirar. Nem olhei por onde estava andando, quando percebi já estava no estacionamento, respirando ofegante.

Apesar de já estar estudando o corpo humano há tanto tempo, nunca havia visto tão de perto todos aqueles tecidos vivos. E apesar de sempre nos avisarem sobre a responsabilidade que era carregar o estetoscópio, não fazia ideia do peso que ele tinha. Alguém havia quase morrido nas minhas mãos. O zumbido da máquina  quando seu coração parou de bater ainda ecoava na minha cabeça. Eu sabia que aquilo não acabaria bem, se descobrissem o que eu havia feito, minha carreira como médica estava acabada antes mesmo de começar. Talvez aquilo não fosse tão ruim assim.

A agonia que eu sentia era inexplicável, eu havia cometido um crime. Um crime para te salvar e eu nem mesmo sabia o motivo. Por que eu não esperei por um médico? Por que eu não fui capaz de esperar?

Só voltei para dentro, quando comecei a congelar do lado de fora. Era inverno e por isso estava muito frio.

Estava andando pelos corredores do hospital quando alguém me chamou.

- Laura! - minha colega gritou do outro lado do corredor enquanto vinha em minha direção.

- Ah, oi, Kayla. - eu ainda estava muito abalada para fingir qualquer empolgação.

Kayla era uma típica garota clichê, alta, loira platinada, com um sorriso gigante e super branco e toda fitness. Era raro não vê-la com a bolsa da academia, ela sempre ia antes e depois das aulas, sua obsessão por um corpo perfeito me dava nos nervos. Mas eu sabia que ela ganhava muito com aquilo, além de ser super saudável, todos os garotos babavam quando ela passava. Ela já tinha ficado com todos os seres do sexo masculino daquela faculdade. Literalmente todos.

- Por que não foi à aula hoje? Foi tããão bom! Veio um professor novo super gatinho, o Mr. Reed - A loira disse com um sorriso malicioso nos lábios - Já comecei a dar umas investidas nele - ela continuou e soltou uma risadinha irritante - Acho que ele notou, porque no final da aula veio falar comigo, perguntou meu nome e tudo. Ele está super na minha - eu estava tão irritada com aquela conversa que quase acabei dizendo que ele parecia mais um babaca e que exatamente por isso eles se mereciam. Eu não suportava aquela garota. Mas apenas soltei um - Ah que legal - e me retirei assim que percebi que ela ia começar a tagarelar novamente.

Fui até a bancada de atendimento e perguntei em que quarto haviam te colocado, tive que correr o risco e dizer que eu era uma amiga. A moça desconfiou pois eu só sabia sua descrição física e o problema que você tinha, eu não fazia ideia do seu nome. Acho que por ela ter nos visto chegando juntos, acabou me dizendo o número do quarto. Assim que consegui a informação, comecei a procurar pelo quarto.

Quando já dava para ver onde você estava, pensei em entrar, mas desisti. Você não estava mais sozinho, tinha uma garotinha com você. Vocês se pareciam muito. Ela te abraçava e fazia carinho na sua cabeça, só depois de um tempo percebi que também havia um médico e uma mulher, ela parecia preocupada e assim como a garotinha, também se parecia muito com você.

Estava tentando ser o mais discreta possível, não podia ser vista, mas eu precisava saber se você estava bem. A verdade é que você parecia bem melhor, agora estava com o cabelo lavado e usava aqueles pijamas de hospital.

Pensei que não seria vista, então andei um pouco mais para perto da porta, queria ver se conseguia ouvir alguma coisa, mas foi então que você me viu. Por um breve segundo ficamos apenas nos encarando, mas logo em seguida você apontou para mim e disse algo ao médico. Eu já sabia o que fazer. Saí andando o mais rápido que consegui, não podia correr, se eu fizesse isso levantaria suspeitas.

Pensei que seria pega, eu percebi quando os enfermeiros saíram do quarto para ir atrás de mim, mas por sorte do destino, consegui escapar.

Sem olhar para trás, entrei no meu carro e dei partida, eu só queria ficar o mais longe possível dali.

Quando cheguei na minha residência estudantil, que ficava do lado da minha faculdade, Emma, minha colega de quarto estava assistindo a uma série.

Eu tinha muita sorte de tê-la como colega de quarto, nós éramos muito parecidas e por isso a convivência era muito boa, a cada dia nos tornávamos mais amigas.

- Hey roomie! - ela disse pausando o que estava assistindo - Foi mal, não consegui te esperar e já comecei a assistir a segunda temporada de 13 reasons why! Tá muito boa! Você tem que assistir o mais rápido possível.

- Como assim? Não acredito que começou a ver sem mim - resmunguei indignada - Me espera aí que eu só vou trocar de roupa rapidinho. - eu disse pensando que ela ainda estava nos primeiros episódios.

- Só se você quiser ver um super spoiler. Já estou no último episódio - um sorriso amarelo estava estampado em sua cara de pau.

- Você assistiu a temporada inteira em um dia só e sem mim? - eu não estava acreditando naquilo - Você é inacreditável mesmo... Já vou logo avisando, você terá que ver tudo de novo comigo, ouviu?

Me direcionei ao banheiro sem nem esperar sua resposta e tomei um banho quente. Pensei que aquilo limparia as energias ruins que eu estava sentindo, mas não adiantou muito.

O nosso dormitório era como qualquer outro, minúsculo. Além da pequena sala e da cozinha americana, só havia um banheiro e um quarto com duas camas. Apesar de eu me dar muito bem com Emma, ela não era muito organizada, sua parte do quarto era um completo caos, mas aquilo não me incomodava tanto.

Assim que saí do banho não hesitei em ir me deitar, estava muito cansada. Nossas camas eram iguais e possuíam o mesmo edredom, ele era branco com uma manta azul marinho na ponta da cama, aquilo dava um bom contraste com os móveis brancos de madeira.

Estava observando a simples mobília do quarto esperando o sono chegar, mas eu não consegui dormir nada naquela noite. Eu fiquei acordada. Pensando em você.

^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^
Obrigada por ter lido até aqui! 💗
Por favor, deixe seu voto! É MUITO importante para mim.

Sob as mesmas estrelas Onde histórias criam vida. Descubra agora