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São Paulo, abril de 2015, quinta-feira, 15:20h

O mundo pode ser um lugar horrível e te fazer cair.

Eu não sei exatamente quando tudo começou a dar errado, só sei que, em algum momento, tudo pareceu perder o sentido; já não fazia mais diferença acordar cedo ou não, fazer as mesmas coisas ou deixar de fazê-las. Aquela era uma crise, aprendi a reconhecê-las com o tempo, não era a primeira e provavelmente também não seria a última, era a primeira ali, na verdade. Eu não podia acreditar! Depois de cinco anos sem tê-las, achei que tivesse me livrado delas, mas aparentemente o que eu vinha fazendo era acumulando tudo, e naquela quinta-feira o que já estava maçante nos últimos dias, se tornou completamente sem sentido. Eu não consegui levantar da cama pelo que pareceu uma eternidade (eternidade esta que, segundo o relógio, durou até parte da tarde), já era por volta das 15:20h quando consegui fingir que estava tudo bem e levantar, fui direto ao chuveiro e deixei que a água fria escorresse sobre mim, o que não funcionou para me renovar como eu havia pensado. Antes, quando tinha aqueles momentos, tudo o que queria era ficar sozinha, mas daquela vez foi diferente, eu queria apoio, alguém para conversar, mas estava sozinha. Havia faltado ao trabalho àquele dia, mas aquela era a última das minhas preocupações.

Antes que tudo desmoronasse de vez, como eu supunha que estava prestes a acontecer, resolvi sair, andar pelas ruas; não conhecia aquela cidade enorme de cor e salteado, mas conhecia o suficiente para espairecer naquele momento. Andei por ruas conhecidas enquanto, entre lágrimas, tentava pensar em uma solução para me curar e não deixar que aquela crise me vencesse, minha respiração falhava um pouco, mas, de alguma forma, ainda me mantinha firme. Já havia passado por aquelas ruas várias vezes, mas aquela vez era diferente, era como se algo (ou quem sabe alguém) precisasse ser visto por mim. Dobrei por um caminho em que nunca havia passado e de lá, encontrei mais mais um novo universo, é impressionante como São Paulo abriga vários mundos em si. Naquele novo mundo, vi um prédio que desconhecia, pensei que talvez fosse um Teatro, fato que confirmei segundos depois ao ver vários cartazes anunciando diferentes espetáculos, um deles me chamou a atenção de modo particular; "Improvável" era o que dizia nele, isso e as fotos de três homens que, por alguma razão, não me pareceram nada estranhos. Encarei aquele cartaz por uns 30 segundos, quando ouvi uma voz.

— Oi. Você veio ver os meninos? – um rapaz perguntou e só depois percebi que estava falando comigo – Olha, acho que chegou meio cedo.

— Perdão, "os meninos"? – falei, deixando transparecer a confusão.

— É, os Barbixas. Você não os conhece? – neguei com a cabeça, ao que ele continuou – Bom, eles fazem improviso e têm um canal no YouTube aonde divulgam trechos do espetáculo, devia procurar, tenho certeza de que vai gostar e...

Se ele falou mais alguma coisa depois, não cheguei a ouvir, pois já havia começado a chorar de novo, eu não queria ter fraquejado daquele jeito, principalmente na frente de um estranho, mas foi mais forte do que eu, então eu saí dali, sem dizer mais nada e com certeza deixando uma péssima impressão a ele. Então, enquanto eu caminhava, começou a chover, uma chuva forte e repentina, eu já não sabia dizer se meu rosto estava encharcado de lágrimas ou dos pingos da chuva. Me apressei para voltar pra casa, deixando que a chuva lavasse parte da minha tristeza –  como se isso fosse verdadeiramente possível – e então, quando finalmente cheguei, encharcada e quase mais triste do que quando saí, percebi que Camila havia passado por ali – alguns documentos que não estavam ali quando saí, agora estavam sobre a mesa –, mas eu estava sozinha, de novo.

Depois de trocar as roupas molhadas, voltei à cama, aquele fim de tarde e a noite seriam longos. À noite, a chuva que começara ao entardecer, havia se transformado em tempestade, mas, acho que a tempestade maior era a que ainda estava se formando em mim. Eram 22:00h quando desisti de esperar pelo fim da chuva e tentei dormir para esquecer parte daquele dia, não sei dizer quando exatamente peguei no sono, mas de repente, imagens começaram a se formar na minha mente; ruas, estradas, lugares que já passei, era como se eu tivesse projetado toda uma rota na minha cabeça e, a partir dela precisasse chegar a algum lugar, então, imagens diferentes começaram a aparecer; aquele Teatro tão próximo de mim, que descobrira por acaso durante a tarde, o cartaz com a foto daqueles homens que me eram bastante familiares, e de repente, uma imagem completamente diferente apareceu; a foto do aeroporto! Aquela dos três homens que, cinco anos depois ainda me deixavam curiosa. De repente, acordei, sentei na cama no susto; eram 2:37h da manhã, a chuva lá fora já havia passado mas o vazio em mim, ainda não, parecia continuar aumentando.

A foto do aeroporto estava onde sempre a deixei, em cima da prateleira, como se me olhasse, ou quisesse que eu a olhasse naquele momento. Tentei lembrar com nitidez do cartaz que vi à tarde e, sem sucesso, tentei então me lembrar do nome. Como o rapaz havia dito? Barbixas...? Improvável...? Era isso mesmo? Pesquisei na internet e, apareceu-me um leque de vídeos, me senti mais tentada do que pensei a assistí-los e considerei aquela a melhor decisão que havia tomado em anos; logo nos primeiros minutos eu estava rindo, não de uma maneira forçada, não para fingir, era alegria de verdade, já havia passado tanto tempo sem sentir aquilo, que havia até esquecido da sensação.

O sol já começava a raiar lá fora quando me dei conta de que não havia mais dormido e de que continuava assistindo vídeos até aquela hora. Eu não sei explicar o que estava sentindo, era como se eu precisasse daquilo para me renovar, daquele momento de alegria em meio ao turbilhão de pensamentos negativos pelos quais estava passando; o vazio havia passado, o humor havia feito aquilo comigo e eu não queria nunca mais deixar de me sentir bem como estava me sentindo naquele momento. Apareceu então, nas opções, um vídeo que parecia mais antigo, ao clicar e ver que era de 2010, a alegria veio com uma constatação que pareceu óbvia e me senti burra por não ter percebido isso logo no primeiro vídeo; eram eles, os três homens daquela fotografia caída no aeroporto! Ao fim do vídeo, o som do alarme me lembrou de que já estava no meu horário e então me levantei; ao ver novamente a foto em cima da prateleira, sorri ao perceber que eles me fizeram companhia; desde 2010 na minha chegada, até ali, naquela madrugada onde eu me sentia sozinha, eles estavam comigo, eles é que não sabiam, e aparentemente, nem eu.

Não precisa ser o fimOnde histórias criam vida. Descubra agora