De forma rápida, escrevo o título e a página na qual paramos para que os alunos se situem, e volto a ficar de frente para a classe. Com o livro em mãos, aguardo até que todos estejam prontos e então começo a falar:
– Na aula passada lemos alguns trechos de Ilíadas, o poema de Homero, e discutimos alguns pontos de vista sobre o texto, certo?! Então hoje, nós faremos uma analise literária da obra e...
– Já estou prevendo a guerra.
Ouço alguém falar ao fundo, seguido por risinhos e cochichos. Busco com o olhar e lá está. Como sempre, Andrew Lee. Um dos engraçadinhos da turma.
– Disse alguma coisa, senhor Lee? – chamo sua atenção.
– Nada, professora Clara.
– Tem certeza? Se estiver com muita vontade de falar, te ponho aqui na frente para fazer e ditar toda a analise. O que acha?
– Acho que eu estou muito bem aqui no meu lugar, professora. – sorri.
Já ouvi algumas meninas comentando pelos corredores como o seu característico 'sorriso quadrado' é bonito e fofo. Mas esse garoto não me engana. De fofo, esse sorriso não tem absolutamente nada.
– Então, fique quieto. Antes que eu mude de ideia.
– Pode deixar.
Andrew passa os dedos sobre os lábios, como se estivesse fechando um zíper, e levanta as mãos em rendição. Reviro os olhos e foco a minha atenção no livro.
– Como eu dizia, faremos a analise literária da obra, principalmente sobre a questão do mito, e depois passarei uma atividade. Nada muito complicado, mas que valerá ponto. Então é bom prestarem atenção.
Um burburinho começa a tomar conta da sala e eu já sei bem o porquê. Vejo Matthew Ulric - o engraçadinho número dois da sala - erguer a mão e me adianto em dizer antes que pergunte:
– Sim. Pode ser feito em dupla, no máximo trio. E quero na minha mesa até o final da próxima semana. Entendidos?!
Todos assentem e continuo a explicação.
– Como já devem saber, uma análise literária pode ter várias visões, uma vez que cada um tem uma interpretação diferente do texto. Estou dizendo isso antes que algum aluno me questione e eu sei que fará... – fixo meu olhar em John e ele ergue uma sobrancelha, visivelmente desinteressado – Porquê iremos fazer a análise seguindo o livro didático. Ou seja, é apenas mais uma versão.
Mantenho meu olhar sobre garoto e ele o retribui. Ficamos alguns segundos nos encarando e, subitamente, ele passa a língua sobre os lábios para umedecê-los e sorri, com tamanha cara de pau que nem sei explicar. Está me testando, molequinho irritante?! Se sim, vai ter que aguentar as consequências disso depois. Ah, vai.
Ignoro totalmente o 'Coelho Boy' (apelido "carinhoso" que dei a minha perturbação juvenil por seus dentes da frente serem um pouco salientes, lembrando um coelho) no fundo da sala e dou início ao debate. Vou ditando e explicando a análise que há no livro e os alunos me acompanham, dando suas opiniões e fazendo perguntas.
Tudo parece correr bem durante alguns minutos, tão tranquilo que estava começando a me intrigar, mas John Berryann... Sempre John Berryann... Repentinamente levanta a mão e dá o ar da graça na discussão assim que entramos na questão do mito. Respiro fundo e permito que fale.
– Eu não concordo com essa visão do mito que o livro propõe. – diz.
"Que novidade", penso.
Sua expressão é apática e o movimento que faz para girar a caneta de forma presunçosa me tira do sério. Ele faz isso todas as vezes que me questiona.
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Irresistível
Roman d'amourClara é uma brasileira que está trabalhando em Londres como professora do ensino médio. Com todas as dificuldades de cultura e por ser nova nesse emprego, tudo de que ela não precisava era ficar à fim de um garoto de 18 anos, que ainda por cima é se...