O silêncio é absoluto.
A atmosfera é tão densa que pode ser cortada com uma faca.
Observo a foto por mais alguns segundos e suspiro. Não é a à toa que os alunos tenham cochichado nos corredores e os professores me encarado daquela maneira.
Para qualquer um que veja e não saiba o que verdadeiramente aconteceu, essa imagem parece sugestiva. Sugestiva até demais.
Afinal, quem raios tirou essa porcaria de foto? E com qual finalidade? Se foi para causar um reboliço e me ferrar, conseguiu. Porque estou em uma situação, no mínimo, constrangedora e à um passo de ficar desempregada graças à um mal-entendido.
Quem diria que minha divertida tarde de sábado terminaria assim.
Respiro fundo, tentando processar o que acontece e dou mais uma olhada na bendita foto. Bom, poderia ser pior, não é?! Se ao invés de ser com Matthew num restaurante, fosse uma foto minha com John no armário do zelador, além de ficar sem emprego, com certeza eu estaria sendo encaminhada para uma delegacia nesse exato momento e talvez processada por abusar de um adolescente.
Pois é. Poderia ser beeeeeem pior.
– E então? O que tem a dizer? – Charlotte replica, cheia de cinismo.
Deixo o ar sair com força por não poder rebater o seu despeito já que é minha chefe e me limito a amaldiçoar mentalmente suas futuras gerações.
Consciente de que não tenho nada a esconder - pelo menos em relação a esse aluno - deixo a foto sobre as pastas diante si e, tomando uma postura firme, digo:
– Eu não sei como essa foto chegou a senhora, diretora, e de fato não me interessa. O que eu tenho a dizer é que está enganada sobre o meu comportamento com o aluno Matthew Ulric. Fomos apenas almoçar juntos, já que por coincidência nos encontramos onde ambos costumamos ir nos finais de semana. Bom, ele é meu aluno e sou a responsável por sua turma, que mal há?
– A questão, professora Clara, é que esta foto mostra mais do que um almoço entre responsável da turma e aluno. – aponta para o papel jogado.
– Embora parece algo comprometedor, diretora, digo com total convicção que não é o que parece. O Matthew só me ajudou porquê eu estava com a bochecha suja e ele se dispôs a me ajudar. Talvez aqui na Inglaterra isso seja visto como algo além de uma boa ação, mas no meu país, é algo totalmente normal e sem qualquer intenção.
– Acontece, senhorita Clara, que você não está no seu país e precisa entender que seus costumes não são os mesmos que os nossos. Isso significa que, indiferente se houve alguma intenção ou não, essa atitude não é bem vista aqui.
Desacreditada com o tamanho do seu desrespeito e louca para responder como merece, observo-a por um instante e prefiro morder a língua do que soltar o que não devo. Afinal e infelizmente, ela ainda é minha chefe, e se eu não perder o emprego por conta dessa droga de foto, vou perder por ser desbocada.
Conto mentalmente até dez e mantenho a postura. Se ela acha que pode me intimidar por ser a diretora, está muito enganada. Eu sei que lhe devo respeito por, não apenas ser sua funcionária, como estar em seu país.
Contudo, a última coisa que deixarei é que passe dos limites, o que, sinceramente, ela está à um passo de fazer.
Com toda a minha cara de pau e talento para atriz que sequer sabia que tinha, me aproximo de sua mesa. Eu preciso resolver essa situação e imediatamente, nem que seja bancando a santa do pau oco.
Sem tirar os olhos de mim, levanta e se põe na mesma altura que eu, e não me acanho a devolver seu olhar irritadiço.
– O que pretende insinuar com isso, diretora Charlotte? Que talvez eu tenha um caso com Matthew Ulric?
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Irresistível
RomanceClara é uma brasileira que está trabalhando em Londres como professora do ensino médio. Com todas as dificuldades de cultura e por ser nova nesse emprego, tudo de que ela não precisava era ficar à fim de um garoto de 18 anos, que ainda por cima é se...