Realidade

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Se pudesse ficaria presa naquele abraço pra sempre, pois não queria enfrentar a realidade, mas logo fui surpreendida pela voz forte de Jessica DiLaurentis.

- Mãe! Minha mãe! – Alison desvencilhou-se do meu abraço ao ouvir a voz da mãe.

- Filha não consego acreditar que estou ouvindo a sua voz!! Ainda ontem os médicos não deram certeza isso ser possível! É um milagre! –Jessica ia ao encontro do abraço da filha e aos poucos elas iam tentando conversar.

Fiquei surpresa ao supor que talvez Alison tinha acordado ontem e eu só soube hoje! Fui até Kenneth DiLaurentis, seu pai, pra saber se minhas suspeitas se confirmavam.

- Oi, Sr. D! – Ele me recebeu com um sorriso no rosto quando me aproximei. – Então quer dizer que Alison já tinha acordado e ninguém me avisou? – Cheguei mais perto, diminuindo o tom de voz para que as duas moças ali na frente não percebessem.

- Minha querida, você sabe como a Jessica é! – Kenneth segurava os meus braços, como que numa tentativa de me acalentar. – Ela queria um tempo a sós com a filha, ontem a Alison ainda não estava conseguindo falar nada, ai ela ficou o tempo todo perto da filha, sabe, essas coisas de mãe. – Ele falava de uma forma doce, quase me fazendo acreditar que essas foram as verdadeiras intenções da Jessica.

- Sei, Sr. D, essas coisas de mãe! – Disse entre dentes, sem entregar muito o que eu realmente estava sentindo. Parei pra admirar aquela cena entre mãe e filha, apertando os meus olhos, ficando com um ar desconfiado. Aquilo era patético.

Há alguns anos, quando a atividade cerebral da Alison foi diminuindo, nos foi dada a opção de desligar os aparelhos. Eu sabia que essa hora iria chegar, mas não havia me preparado pra isso. Como Alison não havia deixado nenhum documento que nos dissesse como agir, a minha primeira reação foi dizer não àquela opção sem nem pensar duas vezes. Diferente da Jessica, que insistiu em desligar os aparelhos pois queria que sua filha descansasse. Eu entendia o lado dela, realmente Alison sofria ali. Pouco a pouco sua atividade cerebral ia diminuindo, seus músculos sumindo e ela estava deixando de ser a mulher que eu costumava conhecer. O estonteante sorriso de covinhas que completava um par de oceanos azuis, tinha dado lugar a uma feição cerrada coberta de tubos e máscaras. E isso não era legal. Mas o que me mantinha viva era a esperança de que um dia ela pudesse acordar e me doía pensar que sua mãe não pensava dessa mesma forma. Passamos quase um ano lutando na justiça pra ver qual decisão prevaleceria: a minha, de manter os aparelhos ligados, a dela, de desligá-lo. O tempo inteiro Jessica DiLaurentis tentou invalidar a minha união com a sua filha, mostrando um lado dela até então desconhecido por mim. Só desistiu do processo por muita insistência do Kenneth, que o tempo todo a lembrava do que a filha pensaria disso.
Estive absorta em meus pensamentos até ouvir Alison perguntando pelas filhas mais uma vez . E mais uma vez falando que tinha que a amamentar. Meu coração doeu.
- Meu amor, você tem um longo caminho pela frente. – Cheguei perto dela novamente, alinhando o cabelo em seu rosto. Ela engoliu seco. – As nossas meninas estão lindas, bem cuidadas, muito inteligentes! Te asseguro que amanhã ou se puder, ainda hoje, trago elas aqui pra te ver! – Me certifiquei de olhar no relógio. Não passava das 13h, Lili e Grace sairia do colégio as 16h. Se eu conseguisse resolver tudo aqui a tempo, talvez pudesse trazer elas. – Ainda temos muito a conversar, minha querida, e sei que Lili e Grace é muito importante pra você, pra nós duas, mas você precisa focar em ficar bem pra sair daqui logo! – Voltei meu olhar pra ela, tentando preparar terreno pra o que eu teria que contar a seguir e recebo o seu olhar confuso como resposta. Talvez hoje ainda não fosse o dia, pensei.
- Acho melhor a gente parar com meias palavras e contar toda a história pra Alison. – Jessica interrompeu os meus pensamentos, chegando mais perto e segurando firme nas mãos de Alison. Abri os olhos, o máximo que era possível, em estado de alerta, tentando não acreditar que ela faria o que eu estava pensando. Tentei falar algo, mas antes que algum som saísse da minha boca, ela continou. – Meu amor, eu sei que é muita coisa pra você assimilar. Mas você me conhece, não sou mulher de meias palavras. Fazem seis anos desde que você sofreu aquele acidente e entrou em coma e sua filhas já são criança, não precisa ser amamentadas, não se preocupe com isso. – Jessica falou rapidamente, cuspindo as palavras em Alison.

Doeu. Como um tiro certeiro. Como uma bomba que explodia lentamente.+

Alison tinha uma fisionomia perdida, confusa, desorientada. Seus olhos iam se tornando cada vez mais escuros e foi possível ver o brilho das lágrimas se formando ao redor dele. Sua boca vacilava ao tentar pronunciar aquelas duas malditas palavras. Por mais que ela tentasse, seus lábios não obedeciam aos comandos do seu cérebro. Na verdade o seu cérebro não reagia aos comandos dos ouvidos.

Rasgado. Forte. Doloroso.

Alison enfim conseguiu colocar pra fora aquelas duas palavras malditas.+

- Ssssseeeis anos.- Ela engoliu seco. Eu apertei minhas mãos contra o encosto da sua cama. – Parra mim apenas duas se-semanas, um mês, dois. Mas sssseis anos. Sssseis anos. – Ela não parava de repetir essas duas palavras, tentando assimilar o que tinha ouvido.

De todas as cenas que vi na vida uma que jamais iria esquecer era essa. Aquele rosto tão lindo daquela que sempre foi o grande amor da minha vida, perdido. E incrivelmente era a que eu menos gostaria de lembrar. Doía a minha impotência.+

Me agarrei em seu rosto novamente chorando em seus cabelos loiros, que já não estavam tão bonitos ou cheirosos como outrora. Ainda assim era o meu cabelo favorito, que dividia lugar com os loiros das meninas.

Ela, como de costume, tentava não chorar. Apenas algumas lágrimas solitárias corriam pelo seu rosto. Seu olhar estava parado, vidrado, e sua mão esquerda se afrouxava do aperto na minha. Sua expressão tornou-se séria como nunca antes vista.+

Minha voz estava embargada e por mais que eu tentasse falar, as palavras se desfaziam ao chegar na minha boca. Esperei tanto por esse momento mas nunca me preparei pra ele de fato.

- Meu amor, muita coisa pode acontecer em 6 anos, eu sei que é muito pra você assimilar. Me perdoe se não falei da melhor forma! – Jessica continuava segurando forte a mão direita de Alison, com um tom um tanto maternal na voz. Quem não a conhecia achava aquilo genuíno.+

- Hmmm. – Era só o que Alison conseguia balbuciar. Sua boca havia se fechado de tal forma que nem um suspiro passava.

Me recompus e sai de perto dela. Ela precisava de espaço nesse momento, mais do que qualquer outra coisa. No canto da sala Sr. D chorava contido. Veio na minha direção, me deu alguns guardanapos e logo se debruçou em cima de Alison. Ela tornou seu olhar pra ele e esboçou um leve sorriso. Por uma fração de segundos eu sorri também e algo dentro de mim se aqueceu. Por mais que tudo estivesse tão difícil hoje, tornando o clima daquele lugar tão pesado, parecia ser possível tudo se ajeitar no final.

Ou não.

Quebrando o silêncio do ambiente meu telefone toca. Percebo chamar a atenção de Alison, enquanto seu pai fala algumas coisas pra ela, incompreensíveis dada a minha distância. Respondo uma coisa ou outra ao telefone, sobre o lugar onde estava, sobre Alison, sobre Lili e Grace. Ao desligá-lo, vejo que Jessica não tirava os olhos de mim e provavelmente ouvira minha conversa. "Um beijo, já te ligo! Ah, espero sim!", foram as últimas frases proferidas por mim. Desligo o celular e o coloco de volta na bolsa, sentindo o olhar curioso que Alison lançava pra mim. Retorno a minha posição de antes e sinto aquele olhar da Jessica me apunhalar.

Aquele calafrio insistente volta a percorrer toda a extensão da minha espinha.+

Ela não iria perder a oportunidade de dar a sua cartada final.

Tremi na base. Respirei fundo. Meus lábios se entreabriram.

Ela não deixou que eu falasse.

- Era a Maya, sua esposa, ao telefone? Ela vai vir visitar a Alison também? Você não acha coisa demais pra minha filha engolir numa tarde só? – Jessica falava num tom de voz um pouco mais alto que o usual. Sua testa franzida demonstrava uma falsa preocupação com Alison. – Não, combine com ela de vir outro dia. Não acho legal hoje! –Finalizou, voltando seu rosto para a loira, passando as mãos em seu rosto e se aproximando mais, como que numa tentativa de proteger a filha de todo mal.

Ali mais uma vez me olhou incrédula. Seu olhar se tornava cada vez mais escuro, com a borda prestes a transbordar. Eu não conseguia decifrar as expressões em seu rosto, era um misto de descontentamento com surpresa e tristeza.+

Eu não conseguiria ficar olhando naqueles olhos mais um segundo sem me desintegrar por inteira. Não tive outra reação a não ser sair correndo do quarto.

Wake Up Conscious - EmisonWhere stories live. Discover now