Capítulo Dois

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            "Ela está sempre brilhando como neon, neon"  - John Mayer


           Vesti o capuz, tirei a bicicleta do meio da bagunça e saí à procura de suprimentos. Quando dei por mim já era noite, não tão tarde, mas o suficiente para que as ruas estivessem cobertas pelo escuro tom da noite. E do jeito que eu pensava, a visão de Amberfield à noite realmente era um absurdo de tão bonita; as casas não eram numerosas, nada de muito luxuoso nem absurdamente simples, eu acho que esse era o motivo do meu encantamento, as casas eram nada mais do que o necessário, e eu amava essa ideia.

            Depois de alguns poucos minutos pedalando cheguei a um parque, com poucas pessoas, muitos bancos, árvores e que tinha uma quadra de basquete. Parei, desci da bicicleta, e deixei-a próxima a um banco, onde prendi-a, caminhei até a quadra e comecei a falar em voz baixa.

            - Quadra. Cimento. Bom estado. Poucas pessoas. Noite. Perfeito. – Eu planejava treinar naquela quadra nos dias seguintes quando eu estivesse ocioso, ou quando batesse alguma vontade de treinar.

            Logo a frente havia uma loja de conveniência, que estava com o letreiro um pouco gasto, mas ainda era legível, um posto de gasolina alguns metros de distância, e um supermercado mais adiante. Eu não sabia o que comprar, eu podia ter ido ao supermercado, mas preferi a loja de conveniência, não me preocupei com o lugar onde eu iria comprar minhas coisas, já que minha vida não dependia daquele momento, apenas minha noite.

            - Boa noite. – Um senhor falou detrás do balcão, sem aparentar muita idade. Talvez uns trinta e oito anos.

            - Boa noite. – Assenti enquanto andava pela loja.

            Salgadinhos... Refrigerantes... eu não tinha muito o que escolher, então, peguei as primeiras coisas que me apareceram. E para minha surpresa vi em um freezer mini pizzas congeladas que também levei. O piso era de linóleo preto e branco, as paredes eram claras, e a loja era pequena, mas bem aconchegante. Joguei tudo em uma cesta verde da mesma cor do letreiro e levei para pagar, quando sem querer esbarrei em uma estante onde estavam expostas algumas revistas, e acabei derrubando todas.

             - Merda. – Falei baixinho, tão baixo que parecia mais que era um pensamento, guardei todas as revistas com muita pressa, quando notei que minhas compras também tinham caído.

            - Tudo bem jovem? – O senhor falou por detrás do balcão.

            - Tudo sim, só esbarrei na estante, desculpa.

            - Sem problemas. – Quando eu vi que ele sairia do balcão para pegar as revistas, as  guardei e peguei todas as minhas coisas de volta.

             Paguei e saí com uma certa pressa, (eu estava morto de fome e vergonha) quando vi uma garota rindo de mim à frente da loja. Ela vestia shorts jeans um pouco acima do joelho, all star preto de cano dobrado, uma blusa preta com outra blusa xadrez verde com as mangas dobradas por cima. Os cabelos eram castanhos presos em um rabo de cavalo e flertavam muito com o preto, mas o que mais me chamou a atenção foram os olhos, eram verdes e chamativos, eram tão bonitos que eles foram a primeira coisa que vi quando a olhei. Eles pareciam luzes de neon que se recusavam a apagar, e aquelas luzes ecoaram na minha cabeça por um tempo, me hipnotizaram sem sombra de dúvidas.

             - Me desculpa, eu não consegui segurar. – Ela falou fixando o olhar em mim, e com um sorriso absurdamente lindo, eu via suas leves sardas em suas maçãs do rosto que estavam contraídas pelo movimento do riso.

             - Tudo bem. – Falei enquanto puxava o capuz do casaco e apertava o passo para a bicicleta. Eu sempre fui desajeitado, mas, nunca me senti mal ou incomodado quando as pessoas riam de mim, mas naquele caso... eu me senti horrivelmente incomodado.

             Coloquei as sacolas na bicicleta, e foi só aí que eu percebi como era ruim ter que carregar as sacolas no guidão, naquele momento que eu pensei o quanto seria mais prático ter ido a pé, mas, sair de bicicleta era bem mais rápido.

             Assim que cheguei fiquei remoendo por um tempo o acontecido, o como eu era desajeitado e que como aquilo acabaria sendo a minha primeira impressão.

            - E aí, o que trouxe de bom?

            - Salgadinhos. Refrigerantes. Pizza. E alguns doces, eu acho que essas coisas da sacola menor são doces.

            - É... Eu acho que eu deveria ter ido no seu lugar.

            - Eu também. Isso aí  foi o melhor  que eu pude fazer. – Realmente era verdade. – Eu vou subir, ainda tenho que arrumar algumas coisas no quarto.

             - Não vai ver o filme?

             - Perdi a vontade. Mas deixa uns salgadinhos ou qualquer outra coisa em cima da mesa, ainda estou com fome.

             - Tudo bem, se precisar de ajuda me chama.

             - Okay. – Assenti e parti para o quarto um pouco rápido até. Eu tinha alguns pôsteres guardados  que eu queria colar na parede, alguns livros que eu queria guardar e começar a ler antes de começar a maçante tarefa de me matricular em uma nova escola. Eu queria passar um tempo comigo mesmo, me entender, me enfrentar, e tentar ouvir o que o "eu" que havia dentro de mim queria me dizer.

            Guardei meus livros, colei dois pôsteres que eu havia comprado antes de viajarmos, um do Green Day, e outro do Pearl Jam que eu havia gostado muito. Caí de uma vez na cama, e comecei a ver todas as cores do quarto embaralhadas na minha cabeça no processo, e assim que atingi a cama e olhei para o lado vi um antigo caderno que eu tinha guardado há muito; e que nem lembrava que ainda estava comigo. A cor do caderno era a cor que começaria a me perseguir querendo eu, ou não.

            - Eu preciso relaxar, preciso me acertar. – Eu dizia a mim mesmo, já havia um tempo que eu sentia que precisava ter um diálogo mais íntimo comigo mesmo, meus professores sempre diziam que eu era alguém acima da média, e meu pai também. Mas, desde a última vez que consegui falar com minha mãe... tudo isso deixou de importar.

            Eu queria relaxar, e eu sabia muito bem como fazer isso. Minha bola de basquete estava ao lado da cama, e a quadra que eu tinha visto mais cedo estava em um bom estado. Olhei para o relógio, e vi que não era tarde, pelo contrário; era cedo, cedo o bastante para sair e praticar um pouco.

           - É, acho que vou sair um pouco, vou tomar um pouco de ar. – Sussurrei enquanto olhava para a bola, e foi quando decidi sair por mais alguns minutos, seria bom para mim naquele instante poder esvaziar a cabeça de todos os pensamentos que martelavam meu subconsciente nesses últimos dezesseis anos de vida. Mas demorei a sair, e senti meus olhos pesando e meu corpo me obedecendo com atraso, e antes mesmo que eu notasse já havia adormecido.


Até que a última luz apagueOnde histórias criam vida. Descubra agora