Acordei de madrugada, os olhos quase não abriam quando peguei meu celular que estava jogado ao meu lado e o liguei. Quatro e onze. Sentei à beira da cama e gastei alguns minutos tentando me acordar, saí para lavar o rosto e beber água quando vi nas escadas uma luz fraca. Lavei o rosto no banheiro que ficava ao lado do meu quarto e desci para beber água.
Assim que desci as escadas vi a luz vindo do sofá da sala de estar, e meu pai estava lá, em frente ao notebook escrevendo freneticamente sua nova história.
- Escrevendo a essa hora Dave?
- Tentando fazer algo bom, e você Enzo? Perdeu o sono?
- Algo parecido com isso, só desci para tomar água.
- Ah, tudo bem então.
Passei pela cozinha, tomei um copo d'água e voltei para o quarto, meu pai estava tão concentrado que nem notou que eu estava passando de volta.
- Francamente, desde quando ele foi assim? – Sussurrei sozinho, eu tinha um orgulho matador do meu pai, orgulho do quanto ele se empenhava nas coisas que ele tanto queria e orgulho de como às vezes, ele beirava o genial. Às vezes eu chegava a invejá-lo, ele se dedicava tanto que conseguia praticamente tudo que ele queria apenas se esforçando, e quando era algo que ele realmente tinha jeito... aí sim, a genialidade dele aflorava.
Meu pai passou a se entregar dessa forma à literatura depois que ele e minha mãe se divorciaram. Ele já me contou várias vezes a mesma história sobre o divórcio, os motivos, a reação, e o mais importante: o impacto daquilo na vida dele. Depois do divórcio eu tive que passar alguns meses transitando entre a minha antiga casa, e a casa dos meus avós maternos, mas sem saber o motivo; aliás não valeria de nada saber os motivos já que eu não entenderia. Eu tinha apenas quatro anos na época.
Na última visita que fiz aos meus avós o meu avô me contou o que aconteceu, meu pai tinha começado a desenvolver depressão depois do divórcio, então, enquanto ele saía para o psicólogo com minha avó, eu ficava com meu avô. E foi nesse período que ele começou a escrever, como rota de escape daquela realidade.
Diferente de mim, ele descobriu sua genialidade, eu não tinha aspirações, não existia nenhum sonho adormecido, ou qualquer coisa do gênero. Eu só queria me formar, e ter um bom emprego, apenas isso; algumas vezes eu me sentia vazio por não conseguir pensar em coisa alguma, por não ter um ponto de início, uma luz, ou qualquer que seja a coisa que faz com que alguém queira mudar sua realidade nesse momento chamado de "agora".
Mas e daí? Eu estava bem, sempre fui inteligente, em algum momento eu pensaria em alguma coisa, só não sabia quando.
- Sinceramente... - falei baixinho comigo mesmo, não era culpa do meu pai que ele era genial, ele realmente era genial, mas, nada como Freud ou Schörindger, a genialidade dele morava dentro da capacidade espetacular em contar história, ele era de fato, um exímio contador de histórias, melhor do que qualquer outro que já vi.
Fiquei um bom tempo largado naquela cama olhando para o teto, e tentando conversar comigo mesmo, aquela cidadezinha tinha algo de diferente que eu não sabia explicar, mas, me dava a sensação de que uma hora ou outra algo realmente importante aconteceria comigo, não sabia o quê, tampouco o porquê, mas sabia que aconteceria. (Embora algo já tivesse acontecido)
- Ei. - Meu pai falou enquanto entrou no quarto e jogou um chaveiro em minha direção.
- O que é isso?
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Até que a última luz apague
RomanceQuantas estrelas existem dentro de você? Acho que você nunca parou para pensar nisso não é? Pois bem, o ser humano é um conglomerado de estrelas que estão sempre dispostas a brilhar e brilhar de forma quase que infinita se assim lhe for permitido. ...