Thomas (1)

47 1 1
                                    


"Você pensa que nunca vai esquecer, e esquece. Você pensa que essa dor nunca vai passar, mas passa. Você pensa que tudo é eterno, mas não é" – Clarice Lispector.

Dezoito anos, quem diria? Finalmente dezoito... Mas o que isso mudo em minha vida? Nada. Ok, ok... Muda que sou "dono" do meu próprio nariz, e também, que se a partir de agora, meu pai se cansar de governar, ou simplesmente morrer, tenho idade o suficiente para governar, porque com essa idade, já completei todo meu treinamento para ser um rei digno de me sentar no trono de Angmerus. Sempre esperei ansioso pelos meus dezoito anos, não sei porquê... Talvez, esperasse alguma liberdade que imaginei que iria ter, mas a verdade, é que de meu pai, que é de quem mais quero essa liberdade, jamais irei alcançar.

Ter dezoito anos, só me mostra, que até agora, desperdicei todos esses anos da minha vida, e a mesma, se delimita em nascer no reino, crescer no reino, e morrer no reino. Ah o reino! Nada a fazer além de cumprir minhas normas, e em breve me tornar rei.
Mas eu queria viver algo grande, ter algo para contar, algo para me lembrar, e sorrir.

Batidas leves na porta do meu quarto, me despertam de meu devaneio.

— Com licença... Príncipe Thomas, está acordado?

Uma voz abafada soa atrás da porta. Sei que é Pedro, um dos criados de meu pai. Ele é um senhor de meia idade, o criado em que meu pai mais confia. Ele começou a trabalhar como criado muito novo, e é alguns anos mais velho que meu pai, e apesar de ser um criado, ele e meu pai, acabaram criando laços de amizade (incrivelmente meu pai tem amigos), e pelo fato de se meu aniversário, ele o mandou me chamar, para me preparar para minha festa, que será a noite. "A melhor de todas" Kile falou durante toda a semana.

—Sim Pedro, estou acordado. Entre.

Nem me ajeito na cama, quero deixar clara a minha falta de vontade a essa festa. Quando ele entra, não fica muito surpreso, como já disse, trabalha aqui a muito tempo, e antes, trabalhava com a família de meu pai, e foi contrado para ser criado pessoal dele, e foi a partir daí, que a tal amizade nasceu. Depois de muitos anos, ele continua sendo criado de meu pai, agora rei.
Ele pigarreia e logo minha atenção se volta para ele.

— Não me parece muito a animado com a festa de hoje a noite... "A melhor de todas" como Kile tem falado a quem quiser ouvir — ele sorri, e então dou um sorriso forçado.

— Tem razão Pedro... Eu não estou. Mas sinto que deveria, meu pai está animado, mamãe e Kile, planejam essa festa a meses, tudo para que eu me sinta feliz, e se divirta — ele suspira enquanto assente, parecendo saber onde quero chegar — Pedro não quero ser apenas rei! Eu quero ser um rei, que tem uma experiência de vida enorme, mas não dentro dos muros do palácio, ou dos limites do reino, mas fora de ambos. Sei que como rei, sempre farei viagens a negócio, e que às vezes, meu pai me leva  com ele, mas é horrível! Quero conhecer as pessoas, os reinos, culturas diferentes, quero viver o que nenhum reizinho viveu. Quero conhecer pessoas de verdade, não essas marionetes daqui, o senhor me entende?

— Thom... Isso é bem... Não sei se deveria dizer isso para o futuro rei, mas...

— Mas?

— Mas sei como se sente... Porém você é o príncipe, e não seria incrível poder viver isso? Repense mais uma vez seu pedido de aniversário. Seu pai, mandou eu vir lhe arrumar, e dizer isto... Que hoje no café da manhã, deverá fazer seu pedido. Ninguém espera que um príncipe peça por isso... Talvez, se pedir com jeito, seu pai lhe conceda.

Lanço um sorriso a Pedro, e sei o que fazer.
Levanto da cama com um salto, e vou para o banheiro, enquanto ele prepara minhas roupas. Eu não sei se vou me acostumar com criados escolhendo o que vou vestir, me vestindo, e essas coisas.
Depois que me arrumo, desço as escadarias ás pressas para o Salão Leste. Quando entro, todos os olhares afiados se dirigem a mim, menos o de Kile. Ele sorri, sem ser indiscreto.

— Um rei nunca se atrasa — nada melhor do que a voz cortante de meu pai pela manhã.

— Bom dia a todos — disse suspirando, enquanto me sentava a mesa.

— Bom dia Thomas... Animado? — Kile perguntou.

— Sim, Claro... — disse tentando me animar — Muito — Completei.

— Thomas, Pedro falou que era para fazer seu pedido de aniversário para mim no café? — meu pai disse indiferente.

Eu tinha que pedir sem colocar Pedro no meio. E ele tinha razão, eu sou o príncipe, e os dezoito anos, são o início de uma fase importante na vida de um monarca, pois suas obrigações e responsabilidades dobram, e se eu pedir com jeito, talvez meu pai conceda, eu espero.
Enquanto estava a caminho para o salão, fui formulando um pedido meio ruim, mas estava torcendo pelo melhor.

— Sim, ele disse... E espero que o considere — senti minhas bochechas corarem.

— Então diga — ele arqueou a sombrancelha.

— Bem, como você sabe, sempre cumpri com todas as minhas obrigações, desde muito jovem, para me tornar um rei tão bom, quanto o senhor, e só quero uma coisa. Quero sair da Capital, e talvez do país, quero conhecer outras cidades por alguns dias, mas não usando meu título de príncipe...

Nunca vi meu pai rir tanto. Eram risos que se perdiam o fôlego... minha mãe deu um sorriso reservado, mas parou quando percebeu que eu estava todo sem jeito. Kile me olhava atônito, corado, como se estivessem rindo dele.
Assim que meu pai recuperou o fôlego, falou como um verdadeiro rei:

— Thomas, está de brincadeira, não é?

— O que? Não, qual é o seu problema?!

—Thomas Clark, qual é o seu problema?! Você é um príncipe, sabe o que fariam se o descobrissem? — sua voz estrondava pelo salão — Alguns, poderiam lhe sequestrar e torturar, depois pedir um resgate em troca de alguma miséria, outros, poderiam simplesmente o matar! Será que não entende que isso é simplesmente impossível? Sua vida é aqui! Não há vida fora daqui, e terá que compreender isso!

Os músculos do rosto de Kile se contraiam, ele odiava quando meu pai gritava comigo.

— Então mande algum guarda com Thomas, apenas um... Para garantir sua segurança. Ele passa alguns dias fora, depois retorna a sua vida de responsabilidades a todo vapor. Por favor pai, deixe ele ir — Kile tentou controlar o tom de voz, mas se exaltou em alguns momentos.

A respiração de meu pai estava acelerada, e ele parecia ponderar sobre o assunto. Eu compreendia os riscos, sabia de cada um, e apesar de nossa situação não ser da mais amistosa com um de nossos reinos vizinhos, e para criminosos, e até mesmo rebeldes, minha cabeça valer bons trocados, era muito difícil de acontecer,  mas Kile tinha dado uma ótima idéia.
Por fim, ele pediu com jeito.

—Dois meses Thomas, dois meses... Comemoraremos sua festa a noite, e você partirá amanhã... O mais cedo possível.

— Creio meu pai, que não irá ter problemas comigo — a raiva transbordava em mim, e se  eu pudesse, colocaria fogo em meu pai, apenas com o olhar.

Encontrei Cassiopéia fora do céu Onde histórias criam vida. Descubra agora