Capítulo 1 - Os Andradas

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Aconteceu no ano de 1926, eu ainda me lembro bem.

Na cidade de São Paulo, naquela grande avenida, entre os bondes e automóveis, vários casarões repousavam às suas margens. Inaugurada no ano de 1891, fora construída seguindo os novos padrões urbanísticos da época, o que havia ali era único, em nenhum outro canto na cidade se via algo parecido. Na já então carismática avenida paulista, um palacete diferenciava-se dos outros da rica vizinhança, a construção ostentava uma nobreza londrina, uma nobreza que antes só fora vista no Brasil no tempo do Império. Os automóveis faziam fila diante dele, seus faróis iluminava a avenida parados ali, os choferes contornavam o veículo por trás vinham abrir a porta, de lá saíam personalidades da cidade, membros da alta sociedade, a verdadeira elite paulista. O palacete além de ser conhecido por causa de seu excêntrico dono, também era conhecido pelas festas que ali eram dadas e hoje mais uma acontecia ali, uma recepção de boas vindas ao filho que retornara de Portugal.

Os convidados passavam pelos portões do terreno, subiam a escadaria do palacete e então entravam naquele pequeno pedaço da Europa neste país tropical. Que riqueza tremenda era aquela ostentada ali, certamente havia demorado alguns anos para que o palacete se tornasse o que era naquele tempo. Um sujeito os recebia na porta, um senhor trajando um fraque de gala – casaco e calças pretas, camisa branca e sobre ela um colete branco, finalizando o conjunto havia a tímida gravata borboleta, também branca. Aquele senhor tinha cabelos e bigode grisalhos, as grossas sobrancelhas destacavam-se no rosto, pois ainda conservavam a cor preta bem nítida. Graças a isso aquele sujeito parecia com Monteiro Lobato, o escritor. O homem estendia o braço e cumprimentava com alegria os convidados, amigos de longa data, parceiros de negócios ou aliados políticos, dizia pouca coisa, a expressão de rosto dizia mais do que as palavras que saíam de sua boca. Tinha uma expressão forte.

— Deputado e senhora Freitas, como é bom vê-los por aqui! — O aperto de mão selava as boas vindas. — Fiquem à vontade. — Ele repetia esse ato, mas sempre quando havia uma pausa, olhava atento tudo o que acontecia no imenso salão. Uma grande vitrola tocava as músicas do momento, alguns convidados permaneciam de pé conversando entre si, alguns sentavam-se no sofá ou nas poltronas, os garçons iam e vinham trazendo bebidas e os mais deliciosos quitutes. No final do salão, do lado direito, uma imensa mesa repousava sobre o piso de mármore, sobre ela um verdadeiro banquete era servido, mas algo ali chamou a atenção daquele homem.

Uma funcionária do palacete estava parada ao lado da mesa e, de modo sorrateiro, ela pegava alguns salgados e doces que ali estavam, alguns ela guardava no bolso de seu uniforme. Mas alguns ela não conseguira resistir, comia ali mesmo, enchia a boca e mastigava lentamente, para não levantar suspeitas, não queria que o patrão visse aquilo. O homem então chamou o mordomo da casa, pediu para ficasse recepcionando os convidados e foi verificar o que se passava com aquela funcionária. Enquanto atravessou o salão, trocou sorrisos aos convidados e por duas vezes teve de interromper o passo, fora chamado para participar de uma conversa, mas logo conseguiu se desvencilhar e continuou seguindo. A funcionária, baixinha e gordinha, deu as costas ao salão, foi neste momento que o homem chegou por traz e disse furioso, mas baixinho para não chamar a atenção dos convidados.

— Mas o que que é isso! Vai acabar com toda comida, o que faz aqui? Não precisam de ajuda na cozinha? — A mulher nada disse, ficou paralisada, teve forças apenas para engolir a comida que havia em sua boca. O homem a pegou pelo braço e disse ao pé de seu ouvido. — Onde eu estava com a cabeça quando contratei uma gorda para tomar conta da comida, hein? Vamos.

O homem finalizou e a puxou, partiram do salão, os convidados assistiram de longe aquela cena. Entre si comentavam baixinho: "É apenas o coronel sendo o coronel". Eles chegaram na cozinha, nela um turbilhão de funcionários entravam e saiam, ali a mulher começou a tentar se explicar.

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