Capítulo 9 - O passado antes de ser Coronel.

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Sentado na poltrona, em meio ao pranto que sentia, o coronel lembrou-se do passado. Nada em sua vida tinha sido fácil, absolutamente nada, ele sabia disso. A história daquele homem fora um drama terrível, entre altos e baixos, o coronel conseguiu se tornar no que era hoje. Leia, leitor, e entenda.

Nasceu na noite do dia 28 de abril de 1871, foi um parto sofrido, a mãe já havia dado a luz à duas crianças, mas nenhuma havia vingado – como se dizia na época. O pai foi um herói de guerra, havia defendido o Brasil na guerra do Paraguai, alcançou o posto de general, o general Andrada, mas quando o filho nasceu já havia se aposentado da carreira militar. Ele passou a administrar a fazenda que tinha herdado do pai na cidade de Sorocaba e ali vivia da produção do café. O general Andrada era um barão do café nos tempos do Império Brasileiro, era rico, muito rico.

O menino Emílio, por ser o único filho e herdeiro da fortuna do pai, foi criado cheio de mimos. Costumava brincar com os filhos dos escravos, imitava as histórias que seu pai lhe contava sobre a guerra, mas as vezes as brincadeiras saíam do controle, quando o general testemunhava isso, mandava o menino entrar para casa e dava umas palmadas no pequeno Emílio. Ele ficava de castigo em seu quarto e, lá dentro, Emílio conseguia escutar os gritos dos pequenos filhos dos escravos, certamente a surra que eles levavam eram diferente daquela que o pai lhe dava. O castigo não demorava muito, pois logo o pai aparecia no quarto e saía carregando o menino no colo, os dois tinham uma relação muito próxima.

A mãe, Maria do Socorro Andrada, não tinha muito afeto pelo menino. Talvez a razão disso fosse o sofrimento que teve durante o parto, isso costuma acontecer no mundo animal, quando a vaca sofre para dar cria ao bezerro ela não cria laço de afeto com a cria, não amamenta-o – perdoe a metáfora estúpida, mas ela se aplica perfeitamente no caso do pequeno Emílio. Ela ficava pouco tempo com ele, logo encontrava alguma desculpa, dizia que sentia dor de cabeça e entregava o menino à babá. Por isso o menino era tão próximo do pai, o general Andrada, um dos passatempos preferidos do filho era ouvir a história, a vez em que o pai, em visita à corte no Rio de Janeiro, conheceu o próprio imperador Dom Pedro II.

O caráter do menino Emílio foi moldado à duras penas, ainda pequeno ele acompanhava o pai na visita às plantações da família, muito novo o menino aprendeu o valor do trabalho. Mas algo aconteceu quando ele tinha apenas 10 anos.

Certo dia ele saiu para cavalgar e foi acompanhado de seu amigo, Minzinho, um dos filhos dos escravos da família, o pequeno Emílio acabou se desequilibrando e caindo do cavalo, gritou e chamou pelo amigo. Mas Emílio cheio de dores viu seu amigo parado ao longe, Minzinho pegou o cavalo do filho do patrão e lhe deu as costas, aproveitou aquilo para fugir da fazenda dos Andrada, isso encheu o coração de Emílio de ódio. Com a queda ele acabou deslocando seu ombro direito, para piorar, começou a cair a maior tempestade na região, caminhou lentamente, cada passo que dava uma dor terrível se espalhava em seu corpo, pela estrada de terra até a casa.

Chegou lá e chamou pelo pai, contou sobre o caso.

General Andrada, para colocar o ombro do menino no lugar fez movimento rápido e sem avisos, puxou o braço do pequeno e pôde ouvir o som do osso retornando ao lugar de orgiem: claque! Emílio, o futuro coronel Andrada, abriu o berreiro, que dor terrível era aquela! Cheio de pena, o general abraçou o filho, sentido pela dor deste logo os olhos do general se encheram de lágrimas, e disse o que pôde para tentar confortar sua cria. Mas havia algo além da dor em Emílio, havia ódio, raiva.

— Minzinho me deixou sozinho lá! Me deixou sozinho e saiu fugido, papai! — Disse aos prantos. Imediatamente o general largou o filho, chamou o capataz da fazenda e ordenou.

— Reúna os homens, preparem os cavalos e soltem os cães! Vamos procurar esse negrinho fugido. — Não demorou, o general partiu com os homens e logo encontraram Minzinho. Na janela de seu quarto, Emílio assistiu a surra que o ex-amigo recebia, dessa vez o próprio pai deflagrava os golpes de chicote. Foi a primeira vez que Emílio sentiu-se diferente dos outros, sentiu-se superior, dali em diante o menino veria o mundo com outros olhos, mas veria em especial os empregados com outros olhos. Agora confiava apenas no pai, passou a sempre suspeitar dos empregados e de suas intenções.

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