Capítulo 30 - O "jeitinho" brasileiro.

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As coisas terminaram muito bem na noite anterior.

Aquele pequeno grupo de jovens ficou até pouco depois da meia-noite na sala de música. Eustácio dormiu tranquilo, pois sentia que não tinha verdadeiramente mentido para Wanda. Afinal, Manoel e Laura tiveram sim um tempinho para se conhecer melhor e foi realmente isso que havia acontecido. Manoel e Laura começaram ali uma bonita amizade, mas que ainda despertava um pouco de ciúmes em Betinho. Apesar de ter sido uma mentira, ele temia que esse provável romance fosse levado a sério adiante por Wanda, ele sabia que essa era a oportunidade certa para ela fazer Laurinha se afastar dele.

Mas ele conseguiu controlar e não deixou transparecer esse ciúmes, guardou apenas para si. Eustácio havia controlado a situação com Manoel, tudo indicava que o visitante ia colaborar e agir a seu favor. Ele sabia que se não desse certo, ambos tinham muito a perder, queriam permanecer juntos, mesmo que fosse em pequenos momentos, escondidos de todos os outros.

Enfim, na manhã seguinte o coronel acordou cedo e deu início a sua rotina. Antes de descer para o café da manhã, teve de fazer algo, tinha de tirar um pensamento que ficava latejando em sua mente, tinha de tirá-lo de sua cabeça. Havia pensado nisso até conseguir dormir durante a noite, sabia que se colocasse no papel, aquele pensamento possivelmente fosse embora e daria espaço para pensamentos mais úteis. Foi até seu escritório, sentou-se diante da mesa e abriu a primeira gaveta dela. Pegou aquele seu pequeno caderninho, foleou as páginas, pegou a uma caneta e anotou:

"Manoel usou uma gravata cor de rosa, ontem durante o jantar. Que diabos! Um homem não veste cor de rosa! Devo me preocupar?".

Fechou o caderninho e o guardou novamente dentro da gaveta. Somente ele tinha conhecimento daquele caderno, era lá que ele anotava seus pensamentos e sentimentos mais profundos, era somente ali que ele realmente expressava o que estava sentindo. Era seu pequeno diário, pode-se dizer. Era nele que o coronel contava suas verdades. Saiu do escritório e foi tomar o café da manhã. Encontrou a mesa já completa, seus filhos e o visitante já estavam presentes.

— Bom dia papai, o senhor está atrasado para o café. Costuma sempre ser o primeiro a descer... — Falou Betinho, sabia que estava sendo um tanto insolente, mas era bom ver o jogo virar de vez em quando. Recebeu um olhar raivoso do pai que sentava diante da mesa, decidiu apaziguar um pouco a situação. — O senhor está bem? Aconteceu algo?

— Estou ótimo e você? Quais são seus planos para o dia? — O coronel disse abrindo o jornal. — Vai fazer algo de útil ou vai ficar andando pelo palacete feito um fantasma, como de costume? — Finalizou a frase e começou a ler o jornal.

Betinho ficou quieto, sentiu-se péssimo ao ouvir seu pai dizer aquilo. Eustácio percebeu o irmão cabisbaixo e sentiu raiva do pai, detestava quando ele fazia aquilo com o irmão mais novo. Era uma atitude tóxica do pai, uma de muitas.

Decidiu intervir.

— Não fique assim Betinho. Hoje Manoel vai comigo ao trabalho, quero mostrar como as coisas funcionam, que tal vir junto conosco? — Betinho se animou, se endireitou na cadeira, estava pronto para aceitar o convite.

Mas o coronel levantou seu olhar do jornal e falou nervoso.

— Mas lógico que não, não quero você desperdiçando seu tempo tendo de tomar conta de seu irmão. Quero você focado totalmente no seu serviço, Eustácio. — Novamente Betinho sentiu-se desanimado, mas o coronel não parou por ai. — Se Betinho quer fazer realmente algo de útil, ele podia muito bem mostrar o mínimo de interesse em aprender sobre os negócios da família. Eu não tive meu pai perto de mim para me ensinar, portanto, o menino devia aproveitar, mas se ele quer portar-se como um inútil, um simples agregado, tudo bem. Talvez eu devesse adotar um órfão, sim! Um negrinho, desses tantos que são abandonados por ai e ensinarei, apesar da cor, tudo o que eu aprendi sozinho, a duras penas a ele! Deus sabe o quão sortudo Alberto é, mas ele não sabe e...

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