Já passava das seis da tarde.
Alfredo, o assistente do coronel, já havia partido, Wanda sabia que seu patrão estaria sozinho. Esperava que, pelo menos agora mais calmo e de cabeça fria, pensasse melhor sobre a surra que havia dado em seu filho e seu castigo, Wanda tinha um jeito especial para falar com o coronel. Sabia domar a fera, já havia feito aquilo antes várias e várias vezes. Pena que tudo naquele dia não estava dando certo. Ela tentaria domá-lo, faria como sempre fizera, mas o resultado seria completamente diferente das outras vezes.
— Coronel? — Disse ela docemente batendo na porta do gabinete e a abrindo lentamente. O velho Emílio Andrada estava debruçado num caderno, escrevia com uma caneta tinteiro dourada, certamente mais um de seus pertences banhados a ouro, ele levantou os olhos. Não usava óculos, nunca precisou, mesmo aos 55 anos mantinha a visão de uma ave de rapina. — Está ocupado? Posso falar com o senhor? — O coronel largou a caneta tinteiro, fechou seu caderno e o guardou numa gaveta. O que estaria ele escrevendo naquele caderno afinal? Juras de amor como Betinho? Quem sabe. Ele acenou com a mão, permitindo que Wanda entrasse e apontou para a cadeira que estava diante de sua mesa.
Antes que sua governanta pudesse começar a falar, ele pegou a cigarreira e prendeu um cigarro em sua boca e o acendeu. Tragou a fumaça lentamente, enchendo os pulmões de fumaça, mas pobre coitado, pensava que aquilo aliviaria o estresse que sentia, pensava que aliviaria a rigidez dos músculos. Para o coronel o cigarro nada mais era do que um medicamento anestésico.
— O que foi que...
Wanda começou a falar, mas teve de parar.
O coronel teve um ataque de tosse, era uma tosse horrível, podia-se ouvir o muco subindo pela sua garganta. Ele perdeu o fôlego, a cada inspirada de ar que dava, ouvia-se a garganta sendo arranhada, não demorou muito e ele conseguiu se recompor. Wanda ficou meio assustada, mas aquilo era normal, sempre acontecia.
— Por favor continue. — Disse ele levantou o cigarro na direção da boca, pronto para dar mais um tragada.
— O que foi que aconteceu hoje, coronel? — Wanda começou dizendo, sua voz soou suave, calma, ela sim tinha um efeito anestésico no corpo do coronel. — O que foi aquilo que o senhor fez com seu menino... Seu próprio filho? — Antes de contar tudo o que havia acontecido, o coronel ficou alguns segundos perdido olhando para o nada, perdido no silêncio. "Nem o velho general Andrada, meu pai, fez uma coisa dessas comigo", pensou relembrando do velho pai. Emílio quando jovem, era um menino travesso, recebeu umas boas palmadas, mas jamais ganhou uma surra de seu pai. "Mas Betinho fez por merecer!", pensou e começou a contar para Wanda.
Contou todo o caso.
Daquilo que havia acontecido durante o almoço, o modo com que Betinho facilmente havia ido contra a vontade do pai e conversado, falado, praticamente se declarado comunista. Que vergonha tinha isso e era para o coronel, um homem da elite, um homem rico, dono de várias terras, dono de um verdadeiro império, ver seu filho defendendo a causa comunista como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo. Tratava-se algo marginalizado na sociedade na época. Certamente Osório contaria aos membros do partido, aquilo se espalharia por toda a cidade e o coronel temia isso. Mas isso não era o pior que havia acontecido, não mesmo. Ainda havia o fato de seu menino querer ser escritor! Para o coronel, aquilo era coisa de vagabundo, para ele não se ganha dinheiro ficando sentado e escrevendo bobagens no papel, isso é pura perca de tempo.
Para ele, escrever não era uma atividade digna, não ganhava-se dinheiro escrevendo. Ganhava-se dinheiro cuidando dos negócios, administrando, negociando, isso sim era uma atividade de respeito.
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Café com Leite
RomansaTrata-se de uma história trágica. O trágico amor, o primeiro amor, um amor proibido entre um menino rico, Alberto Andrada de família nobre produtora de café, que tem como chefe e patriarca o coronel Emílio Andrada, e de uma menina de origem humilde...