Era uma manhã cinza em que a chuva fina não cessava.
Como pequenos grãos de cristal celeste, as gotículas cobriam o gramado que crescia tímido no chão de terra batida, completamente molhado devido à forte tempestade da noite anterior.
As cores opacas tomavam conta num contraste raso, quase imperceptível, com a neblina pairando e envolvendo por completo as plantas do grande jardim, que dançavam com o movimento do vento.
Suas flores pareciam contentes com aquela situação; cintilavam como estrelas terrenas à medida em que o orvalho ia cobrindo suas pétalas até escorrer pelo caule, enquanto um farfalhar entre as folhas de diferentes formas e tonalidades completava o formoso espetáculo vegetal de sons e movimentos.
Já os pássaros matinais, por sua vez, compunham o grupo que dava as primeiras notas do cântico da aurora.
O som vinha dos inúmeros galhos da figueira frondosa que, mesmo sem dar frutos, cumpria com esmero a função de lar e abrigo às aves.
Naquela tácita manhã, as gotas que desciam ao longo dos troncos, tendo como percurso as fendas das grossas cascas cor de bronze, terminavam no esplendor de poças transparentes cujas ondulações eram barradas pelo capim que contornava o maravilhoso espelho d'água.
Toda a harmonia se dissipou quando um suave aroma começou a sair da janela da cozinha, misturando-se com a cerração.
Em poucos minutos, o cheiro forte do café tomava conta do ambiente, servindo de combustível à inspiração que surgia no lugar do sol receoso.
E naquele remansado momento, a tinta fez contato com o papel, criando a primeira palavra seguida pela segunda; distintas entre si, mas conectadas pela arte que oscila desde as mais altas nuvens do céu até as profundezas da terra.
Algo tão amplo na imaginação que pode ser facilmente ilustrado pelas asas dos formosos pássaros e as raízes das majestosas árvores.
Muitos são os poetas que utilizam dos meios naturais, em toda elegância imaginável, como uma preciosa fonte de inspiração para moldar seus respectivos versos e passar de forma artística a experiência momentânea dos sentidos.
E comigo foi exatamente assim, pois observando as aves e as plantas em sua espontaneidade junto à natureza, percebi que era capaz de unir os extremos, céu e terra, a fim de transformá-los em poesia.
A função das asas é de dar liberdade àqueles que as possuem. São conhecedores do mundo e amigos do vento; afloram os sentidos com experiências invejáveis e podem mudar conforme as estações.
A função das raízes, por outro lado, é de dar base e sustento aos seus portadores. Possuem segurança por toda vida e sabem lidar com as dificuldades, uma vez que passam por invernos e verões permanecendo de pé. Filhos da terra, criadores de laços e reflexo de seus sentimentos.
Voltando a mesma ilustração que diz respeito ao título da obra: os pássaros não vivem sem as árvores e vice-versa.
De tal forma, pensando nesse elo que a natureza nos dá a oportunidade de observar, comecei a formalizar as rimas na esperança de, ao menos uma vez, unir as duas vertentes caracterizadas pela solidez e flexibilidade; pelos princípios e variações; pela utilidade e acolhimento; enfim, por aquilo que vai e aquilo que fica.
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Entre Asas e Raízes
PoezieEnlaçando a literatura poética num contexto fabulístico, a obra reúne versos que unem dois extremos em estrofes, oscilando suas rimas entre o céu e a terra. Vertentes contraditórias, mas intrincadas pelos papéis naturais atribuídos a cada uma, como...