Capítulo 5

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Nem tudo são flores. Se engana quem pensou que a partir dali começamos a viver num conto de fadas. Ali foi, pra ser sincera, o começo de um caos. Vivemos entre tapas e beijos. Costas dadas e abraços confortantes. “Você me machucou” e “eu te amo”. Havíamos nos tornado verdadeiras confusões e era desse jeito que a gente se amava.

A casa dele acabou virando a minha e pode-se dizer que estávamos morando juntos. Eu ficava impressionada com a forma que ele conseguia me aturar mesmo com todos os chiliques, cobranças e regras que eu impunha, como a bendita tampa da privada que ele insistia em deixar levantada.

“Eu não posso abaixar toda santa vez que eu for mijar!”, ele gritava da cozinha, enquanto eu terminava de fazer as unhas do pé.

“Pode sim”, eu gritava de volta.

“É algo com o que você tem que lidar, já que eu estou te dando casa, comida, roupa lavada e muito amor desde a hora de acordar até a hora de dormir”, creio que ele pensava, depois das resmungadas que eu soltava. Ainda que meu nível de estresse tenha subido bastante desde que eu havia me mudado para a casa dele, eu me sentia bem por ter uma companhia tão... Indescritível.

Meus dias na faculdade nunca mais foram os mesmos. Dá para acreditar que me transferi para a mesma universidade que ele? Por causa dele, e também para poupar um pouquinho de gasolina — impossível mencionar isso sem rir do jeito que eu apanhava do GPS para saber como atravessar a cidade para chegar à minha antiga faculdade em menos tempo. O menor tempo era uma hora.

Foi só eu ajeitar as minhas coisas na casa dele e comecei a sair todo final de semana. Ia frequentemente a festas com ele, barzinho com os amigos, assistia uma pelada e torcia como fanática... Estava começando a me adequar à rotina dele.

Um dia foi diferente.

Ele acordou estranho, meio nervoso, não queria abrir a boca para falar o que tinha acontecido, mal tomou café da manhã e não me esperou para ir à faculdade. Eu disse para mim mesma que não era nada demais, que não havia motivo para me preocupar e que ficaria tudo bem quando ele voltasse. Vai ver era algo importante que ele tinha para fazer na aula e estava tomando toda a atenção dele.

De que adiantou tentar pensar dessa maneira, se quando ele voltou nem olhou na minha cara? Eu tentava puxar assunto e não obtia resposta. Quando obtia, eram respostas monossilábica. “É”, “sim”, “aham”, “eu sei”, “não”, “depois”, entre outras milhões de respostas que ele ia variando com o tempo.

  Queria deixar passar, não deu.

— Olha, eu não sei o que tá acontecendo, mas quem sabe se você me disser eu posso te ajudar.

— O quê? — ele falou. Tinha sido de longe a maior resposta que ele tinha dado até então. — Não é nada, Clarissa...

— Isso é tudo, Victor. Isso é tudo, porque está me torturando também, mesmo sem eu ter ideia do que se passa na sua cabeça. Os seus problemas são os meus.

— Clarissa, eu não quero falar.

— Se você ficar guardando sempre pra você todas as dores que sente, um dia explodirá. E não é só você quem vai se machucar, Victor. Eu também vou, porque essa explosão vai me atingir, considerando que eu tô o tempo todo do seu lado.

— Te preocupa tanto assim?

— Você não faz ideia.

— Não é nada com você.

— Não interessa.

Ele fez uma longa e torturante pausa, me deixando ainda mais curiosa, mas eu não queria deixar isso transparecer. Arqueei as sobrancelhas, com as minhas mãos dadas de forma a sustentar o meu rosto, com os cotovelos apoiados na mesa. Ele demorou tanto a se abrir que eu desisti. Empurrei minha cadeira para trás, me levantei e andei até o quarto, emburrada. Me joguei na cama de casal dele e afundei minha cabeça no travesseiro.

Meu gosto pelos teus defeitosOnde histórias criam vida. Descubra agora