Minha vida e a dela se cruzaram no nosso nascimento quando minha mãe e a dela, que eram muito amigas, decidiram dar a luz aos seus bebês no mesmo dia, 13 de maio.
Eramos vizinhas, estávamos sempre uma na casa da outra e sempre fomos muito próximas, tanto que eu fui a unica para quem ela contou sobre a dor que sentia pela morte do pai, dois dias antes do seu nascimento. Eu estava lá quando, aos oito anos de idade, ela perdeu a mãe e foi obrigada a viver com a avó, com quem mal convivia. Ela me consolou quando meu pai decidiu voltar para a Holanda, deixando um bilhete para mim e a minha mãe.
Enfim saímos daquela parte da escola onde você só é obrigado a colorir e a não comer toda sua cola, e entramos na segunda parte do ensino fundamental, onde alguns são cruéis, outros exaltados e os outros que, como eu, não se encaixavam em lugar nenhum eram excluídos. Esses foram os piores anos da minha vida e adoraria não escrever sobre isso, mas como hoje minha vontade e meu cérebro não entram em acordo, lá vamos nós...
Eu tinha nove anos e ainda não tinha conseguido superar o sumiço do meu pai, então não socializava muito e passava boa parte do meu tempo lendo, vendo filmes ou chorando o que, é claro, não era uma rotina muito saudável para uma criança. Então eu e minha mãe começamos a fazer tratamento com uma psicóloga e é claro, todos na cidade ficaram sabendo incluindo os idiotas da minha escola então, logo deixei e ser apenas a esquisita quase sem amigos que nem o pai quis e me tornei também louca.
No inicio eles só faziam piadas e brincadeiras sem graça, a maioria, envolvendo meu pai, a psicóloga, ou o numero de remédios, cada vez maior, de que minha mãe precisava para dormir. Não contei para minha mãe porque sabia que ela tinha problemas muito maiores e que aquele seria, para ela, só mais um motivo para ela tomar um remédio, e minha única amiga também era amiga desses idiotas então não contei para ninguém, o que eu entendi anos depois, foi só mais uma razão para continuarem, aguentei sozinha e em silêncio por um ano. Até que, em um dia de prova de matemática, eu fui a ultima a sair, aquele andar e o de cima estavam desertos e o primeiro andar tinha muito poucas crianças, por isso a solidão, com a qual eu havia me acostumado em casa com a falta da minha mãe e nos intervalos da escola sem minha única amiga, me invadiu e deixei ela se estabelecer, e então eu percebi que não estava exatamente sozinha quando quatro pessoas saíram de uma das salas e se colocaram na minha frente.
Logo entendi o que eles queriam mas não fugi, só parei e fiquei esperando que começassem, o que, obviamente, não demoraram muito para fazer. Se aproximaram aos poucos para ver se eu iria tentar alguma coisa mas não fiz nada, estava cansada de tentar aguentar, de tentar fugir, de tentar parar aquilo, quando um deles acertou um cruzado no meu olho esquerdo mal senti o golpe, mas cai de lado o que foi uma deixa para que os outros três entrassem na "brincadeira" chutando minhas costas e meu estomago enquanto o primeiro se colocava acima de mim e dava socos cada vez mais fortes na minha barriga para, depois do que pareceu uma eternidade, se levantarem e sair como se nada tivesse acontecido.
Se alguém viu alguma coisa, não fez nada.
Eu fiquei lá, deitada por alguns minutos segurando o choro até perceber que aquilo era inútil, ignorei a dor, me arrastei até a minha mochila que havia caído e saí da escola para encontrar ela no portão me encarando.
-O que aconteceu com você?-Perguntou em choque e quando eu não respondi ela não perguntou mais nada por todo o caminho.
Fui para casa com a consciência de que ela me seguia em silêncio de perto e entrei sem me despedir.
Não tinha forças suficientes para dar a volta em torno da casa, então eu entrei pela porta da sala, mesmo sabendo que teria exatamente a visão que tive do quarto da minha mãe, respirei fundo e fui para o meu quarto, deixei a mochila no chão e olhei no espelho do meu banheiro para ver o estrago que haviam feito, não quero dar detalhes, e não darei, mas o estrago havia sido grande e não só no corpo.
Pensei em contar para alguém, mas desisti, resolvi fazer o que já fazia: ficar em silêncio e aguentar tudo sozinha. Foi uma burrice enorme mas foi o que fiz, todos os dias, durante quatro anos.
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Fantasmas do Fim do Mundo
De TodoHeloísa viveu boa parte da sua vida em uma cidade pequena com suas próprias regras e costumes, nos quais nunca se encaixou e pelos quais tanto se machucou, mas agora ela está de volta e irá descobrir que os fantasmas de seu passado ainda estão vivos...