Capítulo 7

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 Depois de três anos praticamente sem sair de casa, eu estava quase ansiosa para ser uma adolescente "normal" por uma noite. Eu só precisava falar com a Olívia.

 Estava num café, tomando um capuccino enquanto a Olívia me observava, eu havia dito que precisava falar com ela mas me mantive em silêncio, afinal, como explicar que eu não estaria com ela quando eu logo estaria à centenas de quilômetros dela, provavelmente para sempre.

 —Meu amor, —comecei sem muita certeza — a Sarah me fez prometer que eu iria com ela para a festa de formatura.

 —E você vai, suponho.— ela tinha começado a falar difícil.

 —Ela é minha amiga desde que me conheço por gente, em dois meses eu estarei em outro continente. Considerando isto, você precisa concordar que uma noite é bastante razoável.

  — Até compreendo, mas me responda: Onde ela estava quando você era espancada na escola pelos amigos dela?— não respondi—E onde ela estava enquanto você sofria por causa da sua mãe? E quando suas cicatrizes começaram a aparecer, onde estava sua melhor amiga? — o silêncio se estabeleceu entre nós, e como não fiz questão de quebra-lo ela continuou  — Você pode achar que tem algum tipo de divida com ela, mas acredite em mim quem deve algo aqui não é você. E, se não pode enxergar isto, sinceramente não sei porque ainda estou aqui. — ela se levantou e jogou um envelope sobre a mesa— Era para você ler no avião, mas se quiser fazer o mesmo que fez com a carta da sua mãe, não me importo.   

 Eu nunca mais a vi. Não pude dizer que ela estava certa, que me arrependo todos os dias de não ter levado em consideração tudo o que ela me disse.

 Passei o resto do dia em casa sentindo um aperto no peito, não queria admitir, mas as perguntas que ela havia feito não saíam da minha cabeça. Adoraria ter as respostas para as perguntas que ela havia me feito, mas não tinha, queria que ela não estivesse certa, mas estava, a nostalgia e a minha viagem só de ida para a terra natal do meu pai estavam me confundindo então, ao contrário de ir atrás da Olívia e dizer que ela estava certa, fiquei no meu quarto tentando não pensar em todas as lembranças da minha mãe que aquela casa me causava e tentava culpar o Johan por tudo, mas no fundo, eu sabia que ele não era o culpado, a fuga dele iniciou todos os meus problemas, mas não foi ele que colocou o álcool e os remédios na boca da minha mãe, não foi ele que deixou minha mãe sangrar até morrer, eu o odiava, e ainda tenho raiva, mas a unica culpada pela morte da minha mãe era ela mesma.

 Estava pensando nisso quando ouvi baterem no portão, fui até lá e vi a Sarah com uma mala de rodas que passava da altura da cintura dela, que me olhava com expectativa e não precisou dizer nada para que eu a deixasse entrar.

 Nenhuma de nós queria entrar no banheiro ou no quarto da minha mãe, que eram os únicos lugares da casa que tinham espelho (eu passei minha infância quebrando os outros para não ver as marcas que deixavam em mim)então me sentei na cama e esperei impacientemente enquanto ela, em silêncio, arrumava meu cabelo e tentava melhorar a cara de morta com a qual eu provavelmente estava.

 Quando terminou, ela tirou duas fotos, uma do meu rosto e uma do meu cabelo e quase não me reconheci quando vi na foto uma versão loira da Sarah, minhas olheiras haviam quase desaparecido, meu rosto não estava mais tão pálido quanto me lembrava dele, meus cachos, antes desaparecidos pendiam da minha cabeça com uma suavidade incrível, de ambos os lados da minha cabeça saiam tranças que se uniam em um coque na parte de trás, que prendia a parte de cima do meu cabelo, pela primeira vez não me senti o patinho feio, podia até dizer que estava bonita.

 Você sempre foi bonita. ouvi a Olívia dizer Você só precisava se ver como eu sempre vi.

 Pronto, eu era esquizofrênica. Afastei a voz dela da minha mente e me prometi que não iria mais pensar nela.

 —Espero que nós ainda usemos o mesmo número de roupa.— ela disse tirando um saco plástico com um cabide da mala e o colocando ao meu lado na cama— Certo. Este é para você, mas se não gostar tenho mais duas opções para você escolher.

 Abri o plástico e vi um vestido preto coberto por alguns detalhes brancos, a saia não era tão curta quanto eu esperava e era em formato de "A", tinha as mangas curtas e não era parecido com nada do que eu estava acostumada a usar, mas não deixava de ser lindo. 

  —Eu gostei muito dele.  —respondi—Obrigada.

 —Não por isso. Agora, vá até lá—disse apontando para a porta do meu banheiro—e vista ele enquanto eu termino de me arrumar e separo algumas coisas—me dirigi até lá, mas não antes de ouvir:—E não ouse estragar o seu cabelo.

 Me vesti o mais rápido que consegui e ao voltar para o quarto, com metade dos botões abertos, eu a vi exatamente com o mesmo cabelo, mas estava num vestido laranja, longo de mangas compridas e decote em "V" que fazia parecer, junto com seu cabelo e sua pele naturalmente rosada, que ela estava pegando fogo.

 —Vire.—ela ordenou e eu obedeci—Odeio ter que abotoar isto—disse arrumando o vestido e abotoando tudo com uma agilidade impressionante e colocando um colar no meu pescoço—Você não bagunçou o cabelo. Obrigada por isso.

 —Por nada.

 —Eu coloquei em cima da cama algumas coisas para você usar, escolha o que quiser.      

 Escolhi um colete longo feito de tricot e uma meia calça preta, coloquei, a pesar dos protestos da Sarah, uma bota em estilo militar ao contrário do salto enorme em que ela queria me colocar.

 Seguimos juntas até a igreja onde a cerimônia de formatura seria realizada e, a dez metros do nosso destino tive uma pequena prévia do que estava por vir quando encontramos dois dos imbecis que "brincavam" comigo durante minha infância.

 Ela disse um "oi" para um dos dois e deu um beijo digno de final de filme romântico no outro. Quando terminaram, ele se virou para mim e disse: 

  —A Sarah me contou que você está indo trás do papai.

  —Repita e nós veremos quem aqui vai querer o papai.  — nunca tive tanta consciência do que os anos na família Baron tinham me feito e ouvi novamente a voz da Olívia dizendo: Não importa que você seja insegura, desde que eles não percebam.

 Ele me olhou de cima a baixo com um certo olhar de divertimento enquanto eu tentava não vomitar ao me lembrar desses mesmos olhos, anos antes.

 A partir daí tudo correu melhor do que eu poderia esperar, entramos na igreja, ouvimos o padre falar muitas coisas que nenhum de nós ouviu, pegamos o diploma e fomos para a festa.

 Fiquei tão bêbada que só me lembro de pequenos momentos, me lembro de chegar com a Sarah, de pegar um copo, me lembro de um garoto que tentava me beijar o tempo todo, me lembro de querer vomitar, de estar sentada na beirada da piscina beijando a Sarah.

 E foi aí que a merda toda começou.

 Ouvi um aplauso atrás de nós e a voz do namorado dela dizendo a maior babaquice que eu já ouvi um ser humano dizer:

  — Posso participar?

 Ele gargalhou alto e eu ouvi o som de algo caindo na piscina, não algo mas, alguém.

 —Eu sabia que você era invertida desde que você começou a andar com aquela outra, sabia que você iria querer transformar a minha namorada nisso aí que você escolheu, mas a sua sorte é que eu estou disposto a te ajudar— ele chegou mais perto e começou a fazer o que ele considerava um carinho, eu estava zonza demais para fugir então engoli o choro e fechei os olhos.

 Só os abri de novo quando ouvi um som estranho e dei de cara com um corpo deitado na minha frente e... aquilo era sangue?! 

 Fui levantada mas não protestei, acabei adormecendo no colo de alguém e acordei no dia seguinte, na minha cama, com a maior dor de cabeça que já tive e dois olhos azuis me fitando.   

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